Mesmo quem não é profissional das palavras já ouviu falar do termo “writer’s block”, o bloqueio criativo que escritores costumam sofrer de tempos em tempos e que transforma a página em branco em um temido inimigo. No meu caso é o contrário: quando me sento para escrever, sofro de ansiedade pela quantidade de assuntos sobre os quais eu poderia me debruçar. Infelizmente, tratando-se do Brasil atual, são invariavelmente negativos. É nisso que a Nação sob Bolsonaro se transformou: um repositório de más notícias, empilhadas umas sobre as outras, até alcançarem o céu.

Nem toda a culpa é do presidente, sejamos justos. Apenas uns 99%. O outro 1% é responsabilidade, por exemplo, de políticos como o governador Cláudio Castro, do Rio de Janeiro. Para justificar essa reflexão, relato um caso que vi na TV essa semana. A menos de um mês, em uma triste combinação de tragédia natural e descaso do poder público, 233 cidadãos morreram após desabamentos causados pela chuva em Petrópolis. Pois bem: essa semana morreram mais cinco, pela mesma razão. Mas nesse Brasil, em que a morte é apenas um efeito colateral de nossas escolhas eleitorais, o que me impressionou foi outro aspecto do episódio. No início do mês, quando as chuvas começaram a castigar a região, milhares de brasileiros enviaram doações aos moradores afetados pelos temporais. Quando a TV divulgou as novas vítimas fatais, veio a imagem: por negligência das autoridades, a pilha de doações havia apodrecido. Roupas, alimentos, cobertores, tudo que a população havia se esforçado para doar teria que ser jogado no lixo. O Brasil joga no lixo objetos e a comida que poderiam reduzir a dor dos necessitados.

É nisso que a Nação sob Bolsonaro se transformou: um repositório de más notícias, empilhadas umas sobre as outras, até alcançarem o céu

Em outra área, o ministro da Justiça quer censurar um filme de Danilo Gentili porque haveria ali apologia à pedofilia. A patética acusação a um filme de 2017 serve apenas de cortina de fumaça para os problemas reais. Se o governo quisesse combater esse problema, não defenderia o aplicativo Telegram. Quando o ministro Alexandre de Moraes, do STF, proibiu
o app, quem criticou a decisão não foi a própria empresa, o que seria óbvio, mas a Advogacia-Geral da União. Qual o interesse da AGU em apoiar uma rede social que permite a pedofilia, o tráfico de drogas e a venda ilegal de armas? Queria terminar lembrando que um supermercado de São Paulo colocou um cadeado na seção de carnes para evitar o furto por pessoas famintas. Dá para ter writer’s block em um País assim?