Em entrevista à DW, Rodrigo Santoro fala sobre a atual fase do cinema brasileiro e sobre a estreia "O Último Azul" no Festival de Berlim.Em Berlim para a estreia de O Último Azul, Rodrigo Santoro celebra o que considera ser uma das fases mais potentes do cinema brasileiro, ovacionado neste ano pela crítica internacional. É o caso do longa de Gabriel Mascaro, no qual Santoro interpreta um barqueiro no contexto de uma distopia amazônica em que o governo isola idosos em uma colônia.
Mas, para o ator, o mais importante é a reação entusiasmada do público brasileiro, que "está orgulhoso, torcendo pelo Brasil" ao assistir ao sucesso desta e de outras produções ao redor do mundo. O Último Azul concorre ao Urso de Ouro na 75ª edição do Festival de Cinema de Berlim, a Berlinale.
Em entrevista à DW, Santoro contou ainda sobre a sua experiência no set e a reação ao filme na Alemanha, defendendo a importância de discutir e resistir ao etarismo.
DW: O filme estreia aqui na Alemanha, um país com uma população de idosos muito grande. Como foi a reação do público? O que você sentiu?
Rodrigo Santoro: Eu vou te contar a reação de uma senhora alemã ontem no final da sessão que me marcou muito, e eu estou até agora com ela. Ela veio, tentou se expressar em inglês, tentou falar comigo em espanhol. Ela estava tão emocionada de se sentir vista, representada. Estava tomada por uma emoção que não era de choro. Ela não sabia como expressar o que estava sentindo. Estava muito mexida. Nossa, foi uma coisa incrível. Ela falava: "Nunca vi um filme que fale da idade. Porque a sociedade acha que a gente é lixo e [nos] descarta".
E é verdade, nós vivemos num mundo que simplesmente se preocupa com produtividade e performance. Hoje os algoritmos dizem o que funciona e o que não funciona. Então, [a sociedade] vai descartando e julgando as pessoas, avaliando os seres humanos pela produtividade, por quem funciona e não funciona para o sistema.
Como o filme contribui para a discussão sobre etarismo?
O Último Azul fica com essa protagonista, essa senhora, que tem um desejo de viver, que tem o direito de sonhar e resiste a um destino que foi traçado para ela. Ela não aceita e diz: "Não, eu quero realizar um sonho pelo menos, que é voar de avião."
É de uma arrogância acharmos que o idoso seja simplesmente um sábio ou conselheiro. Essa pessoa tem desejos, ainda quer viver, não é? Então o filme fala sobre isso, resistir a esse olhar cruel, sobre o direito de sonhar e sobre nunca ser tarde para encontrar um novo sentido na vida, que é o que buscamos a vida inteira.
O Gabriel Mascaro, diretor de O Último Azul, tem uma sensibilidade enorme para isso. Como foi trabalhar com ele?
Desde Boi Neon, eu fiquei muito impressionado com o Gabriel. Aí a gente se conheceu em Olinda e ficamos em contato, falando "Vamos encontrar uma coisa para trabalhar juntos". Ele fez Divino Amor, e a gente conversou. Eu estava trabalhando, não funcionou. Quando, enfim, ele me ligou e falou: "Olha, eu tenho um novo filme agora e escrevi uma participação afetiva para você, queria ver o que que você acha."
E eu achei lindas a temática a personagem. Ele falou: "Vamos conversar, eu quero que você traga coisas para a personagem também." Porque ele, apesar de ser um diretor muito sensível e preciso, é ao mesmo tempo aberto.
Qual era a dinâmica entre vocês nas gravações?
No set, às vezes eu improvisava, e ele falava: "Gostei disso, vamos por aqui." Aí eu sugeria alguma coisa, e ele falava: "Não, isso não funciona." Então, a gente ia construindo juntos. Foi maravilhoso trabalhar com ele, inclusive já estamos conversando de fazer alguma outra coisa juntos.
Você já falou sobre o quanto Bicho de Sete Cabeças representou para o cinema nacional. E como vê a fase em que estamos agora?
Estamos vivendo uma das fases mais potentes do cinema brasileiro. Obviamente com a carreira que Ainda Estou Aqui está fazendo, mas não só. O Último Azul está aqui na competição e há outros 12 ou 13 projetos brasileiros aqui em Berlim. Mas essencialmente com a relação que o cinema brasileiro está tendo com o seu público. No Brasil, o público voltou às salas. O público está orgulhoso, torcendo pelo Brasil, prestigiando o cinema. É disso que a gente precisa. É isso que impulsiona e fomenta a indústria.
Como fazer com que essa curva de ascensão não acabe rápido?
Tudo que fazemos é para o público, então o que mais precisamos, independentemente de prêmios e festivais, é que o público vá para o cinema. Por exemplo, eu recebi um link para ver O Último Azul, porque tínhamos uma coletiva de imprensa, e o filme ficou pronto bem em cima da hora. Eu optei por não vê-lo no iPad. Eu falei: "Quero ver no cinema", mesmo dando a coletiva e falando sobre a minha experiência.
Eu vi ontem o filme pela primeira vez, numa sala escura com aquele som, aquela tela e um monte de outras pessoas. Foi inesquecível. Isso é emocionante. É um momento maravilhoso, e o importante é dar continuidade, que não seja um meteoro, que a gente apoie. O Brasil é um país incrível, que merece ser descoberto pelo mundo inteiro em toda a sua diversidade cultural, e eu acho que agora a gente tem uma ótima oportunidade para solidificar isso.