Os números das pesquisas eleitorais não permitem a qualquer um cravar se Lula se sagrará vencedor já neste domingo ou se a disputa pelo Palácio do Planalto vai para o segundo turno com o petista na dianteira. Ainda assim, autoridades têm um prognóstico em comum sobre o desenrolar dos acontecimentos após a apuração dos votos: Jair Bolsonaro contestará de pronto o resultado, alegando, sem qualquer prova, que as urnas eletrônicas, que lhe renderam cinco mandatos de deputado e um de presidente desde 1996, foram fraudadas. Não à toa, Alexandre de Moraes convidou os presidentes do Congresso, Rodrigo Pacheco, e do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, para acompanhar a totalização dos votos na sede do Tribunal Superior Eleitoral. O ministro Bruno Dantas, que está à frente do Tribunal de Contas da União, o qual acompanha a auditoria dos equipamentos, também marcará presença.

O movimento inédito estampa a união das instituições no momento mais delicado da trajetória política do país desde o golpe militar e indica que elas se posicionarão como uma barreira de proteção à democracia, referendando a vontade do povo brasileiro, traduzida nas urnas. O “batalhão” de autoridades está, basicamente, riscando o chão e sinalizando que o presidente pode até ter feito ecoar o discurso golpista nos últimos anos, com a conivência da Procuradoria-Geral da República e da Presidência da Câmara, mas não encontrará solo fértil para concretizar uma ruptura.

O clima na classe política é o mesmo. Os ruidosos avanços de Bolsonaro resultaram em uma antes improvável união suprapartidária. Não bastasse o numeroso e diverso palanque de Lula, todos os demais presidenciáveis asseguram estarem prontos para se contrapor à iminente resistência do capitão em transmitir a faixa presidencial e ex-chefes do Executivo pregaram o voto consciente. Do PSTU ao União Brasil, não há dirigente que cogite dar guarida à sanha golpista do bolsonarismo

Na comunidade internacional, as eleições brasileiras são acompanhadas com lupa. Os Estados Unidos anteciparam, numa série de oportunidades, que exigem respeito à democracia neste ano. “Os Estados Unidos consideram que a assistência bilateral americana ao Brasil deve basear-se no compromisso histórico e contínuo do governo e do povo do Brasil com os princípios democráticos e os direitos humanos, e irá rever e reconsiderar a relação entre os Estados Unidos e qualquer governo que chegue ao poder no Brasil por meios antidemocráticos, incluindo um golpe militar”, diz uma resolução aprovada pelo Senado norte-americano.

Faltou a mesma firmeza aos militares, que deixaram as Forças Armadas serem usadas como massa de manobra pelo Ministério da Defesa e pelo Planalto. A submissão chegou ao ápice com a “apuração paralela”, que será concretizada neste domingo, e a iniciativa do Exército de desmentir uma matéria do jornal do Estado de S.Paulo, na qual era relatada a decisão do Alto-Comando de cumprir a Constituição e respeitar o resultado das urnas. “Na reunião do Alto-Comando do Exército não foram tratados assuntos de natureza político-partidária. Os dados são inverídicos e tendenciosos”, afirmaram os fardados, em uma inacreditável nota. Mais uma vez, serão julgados pela história.

Foi, aliás, justamente o alinhamento dos militares ao Executivo, somado à postura de Bolsonaro, que acendeu o sinal de alerta no país e levou a uma gigante onda pelo voto útil, sob o argumento de que uma vitória de Lula no primeiro turno reduziria as munições do capitão. Com a movimentação, a três dias do aniversário da Constituição de 1988, as urnas transformaram-se não num meio para uma escolha a respeito de programas de governo, mas em palco para um plebiscito sobre a democracia. Depois de políticos, autoridades e artistas, agora é hora de a população em geral demonstrar resistência e reiterar que 2022 não é 1964. Relembro Ulysses Guimarães: “Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrace homens e nações”.