A vacinação contra a Covid-19 no Brasil corre o risco de ser freada logo após seu início, em meio à segunda onda da pandemia, por causa de erros de gestão governamental para garantir o abastecimento e as vacinas, alertam especialistas.

O Plano Nacional de Imunização teve início na segunda-feira (18), após a autorização para uso emergencial de 6 milhões de doses da vacina chinesa CoronaVac e 2 milhões da britânica AstraZeneca/Oxford. Estas últimas, após vários atrasos, chegarão nesta sexta-feira da Índia, onde são fabricadas.

O Instituto Butantan, associado ao laboratório chinês Sinovac, que fabrica a CoronaVac, pediu autorização para o uso de mais 4,8 milhões de doses.

As duas vacinas requerem inoculação dupla e são destinadas a grupos prioritários. Uma vez esgotada, a imunização do país, com 211,8 milhões de habitantes, dependerá da importação de insumos da China, tanto para a CoronaVac quanto para a AstraZeneca.

Mas já na terça-feira alarmes soaram por causa dos atrasos nesses envios, num momento em que a doença volta a se espalhar rapidamente com balanços de mais de mil mortes por dia e um total de quase 215 mil óbitos em todo país, cifra superada apenas pelos Estados Unidos.

“Se esses insumos não chegarem, vamos ter que interromper” a campanha, contou à AFP Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBIM).

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Os seis milhões de doses da CoronaVac “vacinam 3 milhões de pessoas em um período de 15 a 20 dias, então a gente não vai vacinar todos, isso está gerando muito desapontamento na população”, afirma.

“É um momento que está sendo bem difícil para o Brasil, há muita dúvida, ansiedade, a gente não consegue ter um posicionamento claro das autoridades, que gerem na população uma confiança”, acrescenta.

A gravidade da doença e a eficácia das vacinas sempre foram questionadas pelo presidente Jair Bolsonaro, que recomenda o tratamento precoce com medicamentos sem eficácia comprovada.

Em meados de janeiro, o governo também admitiu que faltariam 30 milhões de seringas para cumprir a primeira etapa do plano, de vacinar cerca de 50 milhões de pessoas. De qualquer forma é um plano que, até o momento, não possui prazos.

Para Ballalai, o responsável por essa situação preocupante tem um nome: “É uma incompetência do Ministério da Saúde”.

A logística da campanha também é problemática. Em muitas cidades, são investigadas denúncias sobre pessoas influentes que estão sendo vacinadas sem nem mesmo ter o direito de fazê-lo.

Em Manaus, epicentro da segunda onda da pandemia, essas denúncias obrigaram interromper a vacinação por 24 horas.

– “Incompetência diplomática” –

O Butantan espera receber os suprimentos para fabricar 40 milhões de doses no Brasil.

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) vai fabricar a da AstraZeneca, mas alertou que atrasos podem prejudicar seu cronograma.

Muitos analistas atribuem os atrasos aos constantes embates do Bolsonaro com a China, devido ao alinhamento do presidente com o agora ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.


“Não há nada neste momento que justifique, a não ser a desídia absoluta, a incompetência diplomática do Brasil, que não permita que cada um dos senhores aqui presentes, as suas famílias e aqueles que vocês amam estejam amanhã ou nos próximos meses recebendo a única solução que há para uma doença como a Covid-19”, afirmou a pneumologista e pesquisadora da Fiocruz, Margareth Dalcolmo, em recente homenagem ao seu trabalho.

A cena, que viralizou, se somou à afirmação do diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, de que o presidente “tenha a dignidade de defendê-la” (a CoronaVac) e “solicitar, inclusive, apoio, pro seu Ministério de Relações Exteriores na conversa com o governo da China”.

Bolsonaro, por sua vez, afirma que com a China, “o impasse (…) é burocrático e não é nada político”, disse na quinta-feira em seu Facebook.

– “Falta de estratégia” –

A angústia aumenta no momento em que a doença assume uma agressividade inusitada em Manaus por causa de falhas na gestão e, segundo especialistas, por uma variante regional do vírus. O esgotamento das reservas de oxigênio nos hospitais causou dezenas de mortes e obrigou a evacuação de duzentos pacientes para outros estados.

Além das políticas internacionais que isolaram o Brasil, “é um problema de gestão,governo demorou em fechar acordos com os laboratórios”, afirma o analista político Thomaz Favaro, da Control Risks.

Até o momento, o Ministério da Saúde não definiu a compra de vacinas da americana Pfizer ou da indiana Jansen.

O governo “começou tardiamente essa definição das vacinas e perdeu o melhor timing de negociar”, sem assumir que “que a gente não poderia ficar só com esses dois fabricantes”, Sinovac e AstraZeneca, ressalta Ballalai.

“Isso foi falha de estratégia”, acrescenta.

Mais cedo ou mais tarde, essa nova crise dentro da crise vai complicar o Bolsonaro, complementa Favaro.

“O atraso no programa de imunização impacta sobremaneira na retomada econômica do país e isso certamente vai aumentar a frustração dentro do país”, finaliza.


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