SÃO PAULO, 29 OUT (ANSA) – Por Tatiana Girardi – Um dos eventos mais importantes para debater as mudanças climáticas e o futuro do planeta começa no próximo domingo (31) com a presença de um Brasil ambiental e politicamente enfraquecido.   

A 26ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP26, em Glasgow, deve reafirmar a urgência de ações concretas para evitar que eventos naturais catastróficos não se tornem mais comuns.   

Se, por um lado, o Brasil deveria ser um dos protagonistas no assunto, dada a riqueza ambiental de seu território, por outro, o país chega sob desconfiança internacional por conta do negacionismo climático do governo de Jair Bolsonaro.   

Segundo um relatório divulgado nesta quinta-feira (28) pelo Observatório do Clima, o Brasil foi na contramão do mundo e registrou aumento de 9,5% em suas emissões de gases do efeito estufa em 2020, resultado que se deve principalmente ao avanço do desmatamento nos biomas nacionais, como a Amazônia e o Cerrado – no planeta como um todo, houve redução de quase 7% nas emissões.   

O diretor de economia verde da ONG WWF no Brasil, Alexandre Prado, diz, em entrevista à ANSA, que o país teria “muito a oferecer” às discussões internacionais, mas o “problema é o que este governo pode oferecer, dada a ausência de confiança no que será colocado na mesa”. “Compromissos firmes de combate ao desmatamento são urgentes e extremamente necessários para a estabilidade do clima no planeta”, acrescenta.   

Segundo Prado, o Brasil está com uma “péssima reputação” e é visto “com muita desconfiança pela comunidade internacional”.   

“Essa imagem é reflexo do desmonte da estrutura ambiental do país, com a redução de recursos para ações de comando e controle e o retrocesso nos marcos legais socioambientais que foram criados desde a década de 1970. Tal desmonte culminou em recordes de desmatamento e queimadas e na completa ausência de medidas para mitigar ou se adaptar às mudanças climáticas”, ressalta.   

A mesma visão é compartilhada pelo biólogo e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie Magno Botelho.   

“O Brasil já foi protagonista na questão climática mundial e hoje é visto como um grande pária. O desmonte sistemático da agenda ambiental brasileira não passou despercebido pela comunidade internacional, justamente em um momento em que temos um novo acordo, o de Paris, agregando os maiores emissores de dióxido de carbono do mundo, como os EUA e a China”, diz Botelho à ANSA.   

No entanto, o biólogo ressalta que Bolsonaro está apenas “cumprindo a risca o que prometeu durante a campanha, ou seja, o desmonte da fiscalização na região amazônica e a flexibilização das leis ambientais”, e “isso tem se traduzido no aumento das taxas de desmatamento na região”.   

Sobre as cobranças diretas que a comitiva brasileira poderá sofrer em Glasgow – Bolsonaro não participará da cúpula -, Botelho aponta que “a principal será referente à péssima governança e à falta do enforce na fiscalização do desmatamento e das queimadas na Amazônia”.   

Já Prado ressalta que, se o governo mudasse de postura, poderia pensar em pedir “o financiamento dos países ricos para reduzir as taxas de desmatamento nos países menos desenvolvidos e em desenvolvimento”. “Mas qualquer pedido nesse âmbito será visto com muito ceticismo se for oriundo do governo brasileiro”, acrescenta.   

Com uma visão um pouco mais otimista, o diretor-executivo do Instituto Brasileiro de Árvores e membro da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, José Carlos da Fonseca, afirma à ANSA que consegue ver “sinais positivos” no governo neste ano, como o “esforço para reabrir canais de interlocução no Ministério do Meio Ambiente” e a antecipação da meta de neutralidade de carbono de 2060 para 2050.   

“Se considerarmos o protagonismo do Brasil numa curva crescente até alguns anos atrás, não está errado reconhecer que Brasil teve agora, mais recentemente, uma inflexão que nos tirou daquela curva de ascensão. Perdeu um pouco daquela energia de protagonismo. Os países mudam por decisões próprias seus itinerários. Mas podemos estar entrando numa fase de retomada de interlocução com alguns núcleos do governo que nos últimos anos reduziram essa interlocução”, diz Fonseca.   

O especialista, porém, também faz coro que o grande desafio do Brasil é o combate ao desmatamento ilegal. Para Fonseca, esse é “o calcanhar de Aquiles” do país no momento.   

A COP 26 ocorre até o dia 12 de novembro e deve reunir mais de 100 chefes de Estado e de governo, mas não Bolsonaro. A maior parte dos líderes do G20 irá para a Escócia após a cúpula do bloco em Roma, da qual o presidente brasileiro participará.   

(ANSA).