Centenas de línguas indígenas desapareceram no Brasil desde a colonização, mas cerca de 200 ainda são faladas no país e uma delas foi “ressuscitada” quando descobriu-se no Pará uma idosa que falava e cantava nesse idioma.

Nelivaldo Cardoso Santana, professor de Lingüística da Universidade Federal do Pará (UFPA), explica à AFP como realizou este projeto que permitiu que cerca de 80 índios Xipaya, da região do Xingu, pudessem se exprimir novamente em sua língua ancestral.

P: Qual o estado de preservação dos idiomas indígenas no Brasil?

R: “O Brasil continua sendo um país multilíngüe, hoje cerca de 200 idiomas são falados em nosso país. Tupi e Guarani são as duas línguas indígenas mais conhecidas, e difundiu-se a falsa ideia de que só se falavam essas duas, mas calcula-se que existiam mais de 3.000 antes da chegada dos colonizadores. O contato com os europeus iniciou um processo de morte das línguas indígenas. Algumas dessas línguas que desapareceram acabaram deixando traços no português falado no Brasil, como ‘abacaxi’ ou ‘mandioca’, por exemplo “.

P: Existem meios de salvaguardar essas línguas?

R: “Conseguimos ‘ressuscitar’ a língua dos Xipaya do Pará como parte de um projeto de nossa universidade. Os descedentes estavam dispersos, trabalhando em fazendas no sul do Pará e no Mato Grosso, e foram se encontrando na década de 1990. Depois conseguiram um território para se instalarem, mas já não falavam sua língua. A única falante do idioma era Maria Xipaya, uma mulher idosa. Ela foi gravada falando e cantando. E assim desenvolvemos uma gramática básica.

Depois, os índios organizaram Oficinas de Culinária falando na língua, de coleta de sementes para artesanato,

dando à comida ou às plantas os nomes em sua língua ancestral. Hoje, cerca de 80 xipayas cantam nessa língua durante as festividades, já falam algumas sentenças e também a usam para escolher os nomes de seus filhos.

P: Como se pode introduzir o ensino de línguas indígenas na escola?

R: “No caso dos xipayas, começamos a treinar professores indígenas para ensinar a língua, mas percebemos que essa estratégia não era a melhor. Para as crianças realmente se expressarem na língua indígena, elas precisam falar desde cedo em casa, com os pais, e é por isso que nos concentramos em oficinas para adultos, para que possam conversar com seus filhos. Mas, de modo geral, precisa preparar professores dentro da comunidade indígena para trabalhar numa perspectivas bilíngue e investir na produção de material didático e tecnológico para que esses povos possam trabalhar na manutenção dessas línguas. É preciso uma vontade política por parte do Estado, que no Pará prioriza o ensino do português em detrimento das línguas nativas. O Estado precisa redefinir a política linguística de educação escolar indígena para essas comunidades. Se não reverter isso, a curto prazo vai ter a extinção dessas línguas”.