Jornalismo tem sido tema atraente para o cinema ao longo da sua história. Aventura, drama, pressões, busca pela verdade, rivalidades, ciúmes, casos de amor e ódio – tudo isso que acontece numa redação de jornal se presta a dramas e também a comédias. Entre centenas de possibilidades, a caixa da Versátil Jornalismo no Cinema escolheu quatro exemplos desse subgênero. A boa nova é que evita clichês e investe em filmes relativamente pouco conhecidos ou há muito fora de circulação.

Entre eles, talvez o mais notório seja Jejum de Amor, mais por conta do seu diretor, Howard Hawks. De Samuel Fuller vem A Dama de Preto, obra menos citada em sua filmografia. Richard Brooks responde por A Hora da Vingança e Alexander Mackendrik, por A Embriaguez do Sucesso.

São todos muito bons, mas, claro, Jejum de Amor (His Girl Friday, 1940) é mesmo um clássico, uma das 100 melhores comédias de todos os tempos. A de Hawks é a segunda adaptação da peça The Front Page, de Ben Hecht e Charles MacArthur. A primeira foi de Lewis Milestone, em 1931. Em 1974, viria a mais famosa, a de Billy Wilder, com Jack Lemmon e Walter Matthau nos papéis de repórter e editor de um jornal sensacionalista.

A sacada de Hawks é trocar o sexo do profissional de imprensa. Rosalind Russell faz a repórter Hindy Johnson, que vai abandonar a profissão para se casar. Antes, ela havia sido esposa do editor, Walter Burns (Cary Grant). Este faz de tudo, usando alguns golpes bem baixos, para impedir que a ex-esposa e ex-repórter se afaste dele e da profissão. Quer mantê-la na ativa pelo menos até que cubra a execução de um pobre-diabo condenado à forca. E, se no processo, conseguir reconquistá-la, melhor ainda.

O filme é engraçadíssimo e corrosivo em relação à imprensa (mas nem tanto quanto a versão posterior de Billy Wilder, este sim um envenenador profissional e que conhecia o métier por dentro: havia sido repórter em sua Viena natal, antes de se mudar para os Estados Unidos).

Também cítrico é A Embriaguez do Sucesso (Sweet Smell of Success, 1957), que coloca seu foco no colunismo social e na influência que exerce sobre as pessoas. Burt Lancaster é J.J. Hunsecker, que mantém uma coluna adorada pelo público e temida pelos famosos. Pode consolidar ou destruir uma carreira com uma nota de três linhas. Tony Curtis faz um assessor de imprensa, Sidney Falco, parasita que se instala na área de influência de Hunsecker e, no fundo, cobiça seu posto. O conflito maior acontece quando a irmã de Hunsecker, com quem o colunista mantém uma relação um tanto incestuosa, começa namoro sério com um músico da noite.

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A ideia aqui é mostrar como o jornalista pode desenvolver uma ideia bastante desproporcional do seu poder ao usar a profissão para premiar amigos e punir desafetos. A discussão da ética jornalística situa-se no centro da história, assim como a ilusão da busca do sucesso a qualquer preço e a destruição moral que se segue ao excesso de ambição. Um belo e estranho filme noir, tendo o jornalismo de fofocas por leitmotiv.

Vale a pena assistir ao extra desse DVD, no qual o crítico Neal Gabler fala de Walter Winchell, modelo de Hunsecker, cuja história, segundo ele, foi ainda melhor do que aquela contada no filme. Winchell foi o criador do jornalismo de futricas e celebridades nos anos 1920. Mantinha uma famosa coluna, primeiro no New York Graphics, depois no New York Mirror, este parte do império jornalístico de William Randolph Hearst (que inspirou Orson Welles para o mais célebre dos filmes sobre jornalismo, Cidadão Kane). Winchell foi, em muitos aspectos, criador do moderno jornalismo americano. “Foi o primeiro a perceber que o jornalismo podia ser fonte de entretenimento e não necessariamente de informação”, comenta Gabler.

Mas não pense que os filmes falam apenas das mazelas da profissão. Abordam também sua grandeza e utilidade pública como pilar da democracia e da liberdade individual.

É o caso de A Dama de Preto (Park Row, 1952), em que Sam Fuller (que, como Wilder, também foi jornalista) remete aos primórdios da profissão. Ao tentar dar uma notícia que não era do interesse da dona do jornal, um repórter é demitido. Tenta criar seu próprio diário, é a princípio bem-sucedido, mas se vê boicotado pela antiga patroa. A história é quase uma parábola moralizante sobre a missão da imprensa livre e do heroísmo dos que acreditam que notícias verdadeiras podem mudar a face do mundo.

Mas a grande homenagem ao jornalismo vem em A Hora da Vingança (Deadline – USA, 1952). Humphrey Bogart interpreta o editor Ed Hutcheson em sua luta para evitar que o jornal sério que dirige seja vendido para o pasquim concorrente. Luta, também, para publicar uma matéria incriminadora sobre o mafioso Rienzi. Hutcheson une-se à dona do jornal, que, ao contrário dos outros acionistas, não deseja vendê-lo. O contexto lembra o do recente (e indicado ao Oscar) The Post: a Guerra Secreta, de Steven Spielberg, que evoca o caso real do Washington Post publicando os documentos secretos do governo, os Papéis do Pentágono, contra toda a pressão de Richard Nixon.

O jornalismo em defesa dos leitores e contra o poder corrupto, seja ele um vigarista ou um governante que se julga acima da lei, é ponto comum entre esses dois filmes, o contemporâneo e o da década de 1950. No antigo, protagonizado pelo grande Bogart, está contida a cena de antologia, que define a profissão no que ela tem de mais belo. Diante da ameaça do poder, o personagem de Bogart só tem um gesto: o de tirar o telefone do ouvido e levantá-lo em direção às máquinas para que, do outro lado da linha, um furioso interlocutor ouça o terrível ruído das rotativas postas em marcha. A notícia estava sendo impressa e nada haveria de detê-la. É a essência do jornalismo, quando feito com paixão e ética, claro. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.J


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