Pela 15ª vez o centro de Paraty abrigou o Bourbon Festival e virou um difusor do que de melhor a música preta gera e inspira no mundo. Como nas edições anteriores, o evento junta talentos praticamente recém-nascidos com velhos conhecidos do público apreciador desse tipo de música. O saldo final é rejuvenescedor, o que faz o festival chegar à sua 15ª edição exalando um frescor de debutante.
A primeira noite do festival – que vai até domingo, 15 – foi aberta pela Orquestra Sinfônica de Paraty. Formado por mais de 60 jovens, o grupo passeou por um repertório que uniu James Brown, Ray Charles, Dominguinhos e Djavan. A plateia que lotava o Palco Matriz aplaudiu todas, mas foi à loucura quando a orquestra fechou a apresentação com “Cheia de Manias”, do grupo Raça Negra.
A conexão entre palco e plateia foi tão intensa que, em vários momentos da apresentação, o maestro Weslem Daniel teve de dar as costas para a orquestra e reger também o público. No fim das contas, parecia que um grande coral improvisado e sem ensaios ganhou o acompanhamento sinfônico.
A vez da experiência
Depois de tanta energia jovem, chegou a vez de a experiência subir ao palco principal do festival. Aos 79 anos, o trompetista norte-americano Randy Brecker levou suas frases na velocidade da luz para passear pelo jazz fusion, desta vez, com fortes pitadas latinas. Isso ficou mais evidente por conta do trio brasileiro de Leo Susi, que deu a base rítmica e melódica para a apresentação.
Também rápida no gatilho, a saxofonista italiana Ada Rovatti dialogou de igual para igual com Brecker nos solos e adicionou sutilezas quase sensuais nos momentos em que trompete e saxofone interpretavam os temas em dueto. Os exemplos mais memoráveis da noite foram as releituras de “Some Skunk Funk” e “Shanghai”.
Para dar à apresentação mais um toque especial, o maestro, produtor, arranjador e compositor Ruriá Duprat (sobrinho de Rogério Duprat) armou um clima nos teclados para que o trompetista passeasse sem riscos pelas sinuosidades da bossa nova.
Chama o síndico
Sempre segura e coesa, a Prado Brothers Band voltou mais bem-humorada ao festival. Acompanhado pelo irmão Yuri Prado (bateria), Felipe Magon (teclado) e Theo Anzelotti (baixo), o guitarrista Igor despejou o swing costumeiro, mas encontrou espaço para encaixar várias criações de Tim Maia em meio às composições blueseiras que a banda executa.
Depois de homenagear o síndico, a Prado Brothers teve de abrir espaço para um furacão que tomou conta do Palco Matriz. Com uma daquelas vozes que as igrejas americanas ajudam a forjar, a cantora norte-americana J.J. Thames mandou para o espaço qualquer preconceito a respeito de blues e soul serem estilos “tristes”.
Começou o exercício de dominação e celebração com uma versão tórrida de “Who Is He (And What Is He To You?”, clássico de Bill Withers. Depois, aumentou a voltagem do blues eletrificado “Boom, Boom”, de John Lee Hooker. Por fim, arriscou-se a encarar o repertório de Etta James e mandou uma versão emocionante de “I’d Rather Go Blind”. Tudo com muita intensidade e entrega, ignorando o fato de o seu microfone estar com um volume bem abaixo do que deveria.
Juventude madura
Apresentado-se pela primeira vez em Paraty, o grupo Os Garotin (de São Gonçalo, RJ) entrou em campo com o jogo ganho. Nas primeiras filas, coladas na grade, pessoas de várias idades, gêneros e níveis de embriaguez dançavam, pulavam, cantavam e urravam a cada novo hit que os rapazes despejaram.
O som do grupo soa bastante contemporâneo, mas mergulha fundo nas águas do rhythm and blues e soul dos anos 70, com toques de brasilidade. Tudo isso a serviço de melodias e letras que grudam na memória, entoadas por três vozes afinadas. Não tem como dar errado
Quer seja explorando a suavidade de “A Gente Tem Tudo a Ver”, o apelo dançante de “Curva Escura” ou a catarse de “Queda Livre”, os rapazes mostram uma maturidade pouco comum para quem se considera garotinho até no nome. Fizeram o show mais arrebatador da noite, e Paraty foi dormir feliz.