Em 1962, quando o empresário americano Sidney Frey, dono da gravadora Audio Fidelity Records, organizou, com ajuda do Itamaraty, o lendário Concerto da Bossa Nova no Carnegie Hall, em Nova York, ele disse uma frase que condensou de uma só vez o habitual tino comercial estadunidense e o insistente complexo de vira-lata dos brasileiros: “Ainda vamos vender a bossa nova para o Brasil”.

A bossa nova continua a ser vendida (e adorada) mundo afora – certamente, mais do que em solo nacional, e muitas vezes produzida por não brasileiros. Por isso, o concerto comemorativo A Grande Noite – Bossa Nova, que ocorrerá em 8 de outubro, no mesmo palco do Carnegie Hall, tem um objetivo para além da efeméride: apontar um futuro para a bossa nova. Ou mostrar como ela está no DNA da música feita até a atualidade – fato comprovado por popstars novinhos lá de fora, como Billie Elish e Alessia Cara, e daqui, como Anitta e Luísa Sonza, donos de sucessos recentes no gênero.

JOBIM

A apresentação será conduzida pelo pianista Daniel Jobim, neto de Tom, e pelo cantor Seu Jorge – os dois têm apresentado um show dedicado ao maestro. Como convidados, o compositor e violonista Roberto Menescal – que esteve na noite de 1962 -, o músico Carlinhos Brown, a cantora brasileira Carol Biazin e a cantora britânica Celeste. A direção artística será do músico Max Viana. O apresentador Serginho Groisman vai ser o mestre de cerimônia.

“A bossa nova já deveria ter voltado ao palco do Carnegie Hall muitas outras vezes. O show é a abertura de um novo portal para que a música brasileira, sua harmonia, melodia e seu ritmo, seja exportada, mesmo que por meio de artistas de outros gêneros”, diz Viana.

A base do repertório será de composições de Tom Jobim – e seus respectivos parceiros. São músicas que se tornaram trunfos da bossa nova, a partir do concerto de 1962, como Chega de Saudade, Samba de Uma Nota Só, Desafinado, A Felicidade, Só Danço Samba, Dindi, além da canção que se tornou embaixadora do movimento: Garota de Ipanema.

“Tom é o cara. Tem de ser ele”, diz Menescal. Daniel aproveita para falar sobre o documentário Elis & Tom: Só Tinha de Ser Com Você, que acaba de estrear e mostra como o entendimento entre Elis, Tom e o músico Cesar Camargo Mariano foi difícil. “Não teve essa briga toda. Ele fez com o Cesar a mesma coisa que fazia com o Claus (Ogerman, arranjador do álbum Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim). O resultado do disco é maravilhoso”, afirma Daniel.

Menescal vai reviver em NY o número que fez em 1962, O Barquinho, parceria com Ronaldo Bôscoli. No passado, ele errou a letra da canção. “Naquela época, passou batido”, lembra. De lá para cá, O Barquinho já teve mais de três mil gravações no Brasil e no exterior. “Agora vou decorar a letra”, brinca Menescal, de 85 anos.

PASSADO

Para o público, certamente fica difícil a associação de Seu Jorge e Carlinhos Brown com a bossa nova. “Eu canto mais suave. Seu Jorge, mais forte. Mas ele canta tudo, não tem uma vírgula fora de lugar”, diz Daniel. Menescal conta que conheceu Seu Jorge há três semanas. “Não importa se ele veio da bossa. Não podemos ficar presos ao passado”, afirma.

Sobre Brown, Max Viana diz que, assim como Seu Jorge, ele representa a universalidade da bossa nova. “Ele não toca propriamente bossa nova, mas foi formado por ela. Luísa Sonza e Anitta não são cantoras de bossa, mas também a reconheceram e a usaram em suas músicas”, explica. “Tudo é bossa. Não sei se nova. Até a música da Luísa Sonza (Chico) é bossa. Todo mundo esperava que eu falasse mal, mas é uma boa música”, avalia Menescal sobre o alcance do gênero.

Fly Away, que o Michael Jackson gravou, com a participação do (violonista) Oscar Castro Neves, é uma bossa nova. Bossa é a mistura toda”, complementa Jobim, para exemplificar como ela pode ser muito mais do que a imagem e o som de um banquinho e um violão.

A paranaense Carol Biazin, de 26 anos, vai cantar Samba de Verão, de Marcos e Paulo Sérgio Valle, bastante conhecida no exterior como So Nice. A reportagem do Estadão acompanhou o ensaio de Carol com Menescal e Daniel em um estúdio em São Paulo. Para Viana, Carol e Menescal se complementam. Ele, no ritmo. Ela, na melodia.

“Lembro que, quando eu fazia aula de violão, aos 8 anos, pedi para o meu professor me mostrar algo diferente. Ele então me ensinou O Barquinho. Quando vi aqueles acordes todos invertidos, percebi que o mundo era mais do que ré, dó e sol”, admite a cantora.

“FRACASSO”

Parte da imprensa brasileira agiu com desconfiança em relação ao concerto em NY, com textos falando sobre o suposto “fracasso” da noite que reuniu nomes como Tom Jobim, João Gilberto, Carlos Lyra, Sérgio Mendes, Oscar Castro Neves, Agostinho dos Santos, entre outros.

Para Menescal, a apresentação de 1962 foi, sim, um sucesso. Mas a lista de convidados também gerou polêmica. Menescal diz que isso ficou a cargo do Itamaraty. “Fiquei com fama de não chamar esse ou aquele artista, mas não era minha responsabilidade”, garante.

Muita gente ligada à bossa ficou de fora. Foi o caso de Johnny Alf. “Acho que o Itamaraty nem sabia quem era ele. Era muito tímido, não gostava de ir às reuniões na casa de Nara (Leão)”, diz Menescal. Das cantoras, outras tantas foram esquecidas. Uma delas, Alaíde Costa, estará presente no show do dia 8 de outubro, redimindo um pouco a lista fria elaborada pelo Itamaraty. Depois de seis décadas, a bossa nova – também acusada de ser o embranquecimento do samba – pisará no Carnegie Hall novamente não com cara de missão oficial, e sim com a pluralidade que construiu seu balanço.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.