Nunca houve um pintor como Jheronimus Bosch, um importante artista medieval que retratou como ninguém um mundo fantasticamente surreal, que variava do prazer orgiástico ao terror. Suas representações apocalípticas e narrativas visuais religiosas impactam profundamente quem admira suas obras, criadas há mais de 500 anos e que os dias de hoje são totalmente diferentes de tudo o que conhecemos.

Com tom satírico e moralizante, seus trabalhos retratam cenas de pecado e tentação, vícios e os temores de ordem religiosa que afligiam o homem medieval. Recorria a figuras simbólicas complexas, originais, imaginativas e personagens que misturam humanos com animais, algo totalmente obscuro para a época que foram criados. Por causa desses elementos, seu trabalho inspirou o movimento surrealista do século XX, que teve mestres como Max Ernst e Salvador Dalí.

Existem cerca de 25 obras de Bosch no mundo e temos no MASP um de seus estudos para As Tentações de Santo Antão, que faz parte do acervo do Museu Nacional de Arte Antiga, de Lisboa. A obra mostra cenas da Paixão de Cristo,  figuras híbridas que misturam humanos com animais, a ascensão e queda de Santo Antão (que corresponde ao primeiro momento de tentação), demônios voadores,  monstros, figuras demoníacas em trajes de religiosos, um prostíbulo, a meditação de Santo Antão, uma mulher nua banhando-se, personagens que tentam aliciar com comida e bebida, além de uma série de personagens estranhos próximos a um altar que mostra a imagem de Cristo fazendo um gesto de bênção, destacando sua fé mesmo diante de um ambiente repleto de loucura e de pecados. Podemos dizer, portanto, Bosch foi do céu ao inferno com suas pinturas para mostrar o seu olhar da verdade para a natureza.

Depois de ver uma pintura que mistura o corpo humano com o de diferentes animais, é difícil acreditar que quase metade das obras de Bosch abordam temas mais tradicionais como vidas de santos e cenas do nascimento, paixão e morte de Cristo. Por retratar bem a religiosidade, caiu nas graças da nobreza europeia e do Rei Filipe II da Espanha (neto de Filipe, o Belo), que acabou virando um colecionador ávido de suas pinturas e sendo responsável por seu apelido em solo espanhol: El Bosco.

Bosch é um dos maiores e um dos mais duradouros enigmas do mundo da arte. São mais de cinco séculos de perguntas e de poucas respostas sobre sua vida. Não sabemos nem quando exatamente ele nasceu (talvez tenha sido por volta do ano de 1450), seu nível de educação ou mesmo quem eram seus patronos, algo incomum para os artistas que despontaram no período da Renascença. Dizem que sua família era bastante religiosa e tinha pelo menos três gerações de pintores. Apesar das pistas e das diversas dúvidas, a certeza que temos é que apenas Bosch tinha um talento verdadeiramente excepcional.

Sempre surgem novos historiadores que tentam analisar suas pinturas perversamente eróticas e religiosamente idealistas a partir da teoria freudiana. A magia e o misticismo floresceram e a astrologia infiltrou-se na sociedade medieval da época de Bosch, em uma cultura que pouco se parece com a nossa. Portanto, é impossível compreendermos totalmente a religiosidade devota ou as ideias contraditórias alimentadas pelo pessimismo que criou aquele profundo sentimento de culpa moral.

Quem vê aquelas figuras meio-homem e meio animal não deve acreditar que, em 1486, Bosch juntou-se à Irmandade de Nossa Senhora, um grupo religioso secreto com representantes da elite, artistas e pensadores, que não só realizavam atos de cunho religioso, mas também encomendavam arte com símbolos moralistas.  A obra de Bosch é impressionante porque mostra sua mente espiritualmente perturbada e em constante batalha interna, em busca da absolvição e da solução dos conflitos de sua alma.

Ninguém duvida que Bosch foi um gênio e que produziu um trabalho de altíssima qualidade. Era um observador minucioso e um ótimo desenhista, sempre atento aos detalhes. Ele criou um estilo único praticamente a partir do zero, pois não tinha predecessores. Mesmo após sua morte em 1516, não tivemos nenhum seguidor talentoso. Nesses cinco séculos, surgiram muitos imitadores, mas todos foram rasos diante da magnitude de sua obra.

E embora suas pinturas fantásticas e macabras possam parecer mórbidas, elas foram um sucesso imediato mesmo durante sua vida. Bosch foi um dos primeiros pintores do mundo a usar tinta a óleo e ele optava por usar como superfície tábuas de carvalho. Fico imaginando o escândalo que deve ter sido ter painéis de madeira em igrejas, mostrando um amontoado de figuras nuas e agitadas. Realmente, não há nenhum ato sexual explícito, mas muitas de suas obras mostram cenas alucinógenas que definitivamente não combinam com ambientes religiosos.

Existem estudos, filmes e documentários que fazem associação de Bosch com o diabo. Para mim, ele é um dos artistas mais geniais de todos os tempos e moderno até para os dias de hoje. Se desejar saber mais sobre um artista ou se tiver uma boa história sobre arte para me contar, aguardo contato pelo Instagram Keka Consiglio, Facebook ou Twitter.