O premiê britânico Boris Johnson passa por dias cada vez mais tensos. Ele se casou “em cerimônia secreta” em 29 de maio com sua namorada Carrie Symonds, 33 anos, na Catedral de Westminster. O casamento apressado aconteceu alguns dias após o premiê sofrer uma sequência de ataques do seu ex-conselheiro Dominic Cummings, o “arquiteto” do Brexit. Cummings é um personagem polêmico: primeiro, porque conhece Johnson e Carrie Symonds há muitos anos; e em segundo lugar, porque sua influência e seus métodos foram muito questionados dentro do próprio Partido Conservador. Ele é considerado arrogante e desagregador e teria sido o responsável pelo escândalo do uso de dados da Cambridge Analítica para manipular o eleitorado na campanha do Brexit, em 2016 — algo que negou.

Cummings descreveu Johnson como “incapaz” para governar o Reino Unido em um depoimento de sete horas ao Parlamento, durante uma audiência preliminar sobre a pandemia no Reino Unido. Segundo ele, a incapacidade do premiê e de Matthew Hancock, ministro da Saúde, fizeram com que “dezenas de milhares de pessoas, que não precisavam morrer, morressem”. Cummings afirmou que Boris Johnson e seu ministro se mostraram relutantes tanto em março como em setembro do ano passado, quando decretaram com atraso o primeiro e o segundo lockdowns. O ex-conselheiro disse que o premiê comparou a Covid-19 à gripe suína, e até meados de março procurava a “imunidade de rebanho”.

“A imunidade de rebanho estava no centro da lógica de todas as discussões. Não adianta ter gente capaz cuidando da comunicação, se o premiê muda de ideia dez vezes por dia”, disparou Cummings. Segundo ele, Johnson queria reabrir a economia após o primeiro lockdown, quando o Reino Unido já contava dezenas de milhares de mortos. O ex-conselheiro também teria escutado o premiê dizer que preferia ver “pilhas de cadáveres” a ter que decretar um terceiro lockdown — uma frase que ganhou as manchetes de todos os jornais do país e Johnson negou ter dito.

“Este governo é um exemplo de leões liderados por burros”, disse Cummings. Segundo ele, o secretário Hancock tomou “decisões catastróficas”. Cummings não poupou nem Carrie Symonds. Disse que a agora esposa do premiê agiu de maneira “antiética” ao indicar amigos para cargos no governo, além de usar dinheiro das doações do Partido Conservador para reformar a residência do casal em Downing Street. Johnson ignorou os ataques. Afirmou que uma investigação do governo, a ser feita em 2022, “tirará lições do enfrentamento à crise”.

“A imunidade de rebanho estava no centro da lógica de todas as discussões” Dominic Cummings, ex-conselheiro especial (Crédito:Toby Melville)

Disputa conservadora

“Ao atacar Boris Johnson, Cummings tem uma estratégia. Ele se coloca como um possível sucessor no próprio Partido Conservador”, avalia Márcio Coimbra, cientista político com doutorado na Universidade de Glasgow e professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em Brasília. “O que Cummings tenta fazer é retomar a liderança dos conservadores, que ele exercia informalmente. No momento, ele não tem poder para derrubar o premiê. É uma estratégia de médio prazo.” Cummings deixou o governo em outubro do ano passado.

“Boris Johnson ignora as denúncias do Cummings. A estratégia é que cole nele a imagem de um político amargurado, porque saiu do governo”, diz Carolina Pavese, doutora em relações internacionais pela London Scholl e professora na ESPM. Nos próximos meses, Johnson terá que mostrar que é um estrategista como o seu ex-guru: precisará definir as relações com a Europa no pós-Brexit e com os EUA na era Joe Biden. Ele conseguiu bons resultados nas eleições regionais de 6 de maio, mas enfrenta um desconforto cada vez maior dos grandes centros urbanos com os resultados do Brexit. Aí reside talvez a maior ameaça ao seu mandato. Sua ascensão política se deu pela campanha do divórcio com a Europa. Agora, Boris precisará mostrar que tem um plano para o país e evitar que o Brexit tenha como consequência o próprio enfraquecimento do Reino Unido. Para mostrar que os dias tensos vão continuar, a Escócia já discute um novo referendo sobre a independência.