LONDRES, 9 SET (ANSA) – O governo de Boris Johnson apresentou nesta quarta-feira (09) uma lei ao Parlamento que propõe tutelar o mercado interno britânico no pós-Brexit também revisando alguns pontos do acordo já assinado com a União Europeia. Na prática, a legislação autoriza anular partes do pacto, especialmente, no que tange à questão das fronteiras entre Irlanda e Irlanda do Norte.   

A medida, ventilada nos últimos dias, gerou reações negativas tanto no bloco econômico quanto entre aliados e opositores de Johnson.   

O próprio secretário de Estado britânico para a Irlanda do Norte, Brandon Lewis, reconheceu que o texto “representa uma violação do direito internacional”, mesmo que “limitada”. A ex-premier e antecessora de Johnson, Theresa May, também criticou a medida e disse que a credibilidade do Reino Unido será posta em cheque em qualquer negociação comercial internacional.   

No entanto, Johnson quer seguir em frente com o projeto e vai buscar a aprovação no Parlamento – e não teme ficar sem fechar o acordo com os europeus, que ele mesmo deu como prazo máximo o dia 15 de outubro.   

Após o anúncio do governo, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, usou o Twitter para criticar o projeto de lei.   

“O acordo da Retirada foi concluído e ratificado por ambas as partes, e deve ser aplicado na íntegra. Violar a lei internacional não é aceitável e não cria a confiança que precisamos para construir nossa relação futura. #Brexit”, postou Michel.   

Pouco antes da oficialização, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, também havia dito que estava “muito preocupada” com a quebra do acordo firmado. “Isso violaria a lei internacional e minaria a confiança. Pacta sunt servanda [“Os pactos devem ser observados”] = a base das relações futuras prósperas”, escreveu no Twitter.   

Analistas afirmam que a aposta de Johnson é suspender as negociações do chamado “Brexit econômico” nesse momento, para que não se chegue em um acordo até 31 outubro, prazo final estipulado no início das conversas, e sente para negociar em um outro momento, em 2021, já sem os maiores impactos da pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2).   

Isso porque o Reino Unido está apresentando os maiores problemas de recessão econômica entre os europeus e uma possível segunda onda seria ainda mais crítica para a economia. No entanto, caso realmente fique sem o acordo, a chamada “saída dura”, muitas empresas britânicas podem ser afetadas por altas taxas de importação e exportação, afetando ainda mais a capacidade produtiva dos países que compõem o Reino Unido.   

Com ou sem pacto, a atual gestão econômica entre os dois lados será encerrada em 31 de dezembro de 2020.   

– Reunião extraordinária: Pouco antes do anúncio do governo, o vice-presidente da Comissão Europeia, Maros Sefcovic, em um telefonema com o ministro britânico Michael Gove, informou suas “grandes preocupações” sobre as negociações.   

Sefcovic ainda convocou uma reunião extraordinária entre ambos os lados para debater o atual problema. O representante europeu informou que, durante a conversa, buscou “garantir o pleno respeito ao acordo de retirada”.   

– Negociações: Oficialmente, o Reino Unido já não faz mais parte da União Europeia desde 31 de janeiro de 2020. No entanto, ainda não foram fechados os acordos sobre temas econômicos e comerciais, bem como a delicada questão entre as Irlandas.   

Atualmente, a Irlanda do Norte faz parte do Reino Unido e a Irlanda é um país-membro da UE. Não há fronteiras entre as duas nações, palco de um conflito sangrento até quase o fim da década de 1990. Com o Brexit, é provável que uma fronteira acabe sendo instalada no local.   

A pandemia de Covid-19 acabou atrasando as negociações por conta das restrições de viagens, mas desde que foram retomadas, há mais dúvidas do que certezas do que pode acontecer. Os líderes europeus já alertaram o bloco que é necessário se preparar para todos os cenários, inclusive o de não fechamento de acordo. A rodada desta semana, a oitava no ano, deve ser a última delas.   

Em dados oficiais, a economia da UE vale cerca de US$ 16 trilhões e a do Reino Unido é de US$ 3 trilhões. Ou seja, mesmo que uma saída sem acordo seja ruim para os dois lados, os países do bloco tendem a conseguir lidar melhor com os impactos da ruptura brusca – o que não ocorreria com Londres, que precisaria refazer acordos comerciais com, praticamente, todas as nações do mundo. (ANSA).