Boni: ?fui perfeito?

Boni: ?fui perfeito?

Samia Mazzucco Foto Reprodução Por 31 anos, Boni foi um dos homens mais poderosos da Rede Globo, que diz ter comandado com perfeccionismo e intolerância com erros ? além de uma ajudinha da astrologia. Conta que ele e Roberto Marinho (1904 ? 2003) eram sagitarianos de temperamentos parecidos. ?Gosto de horóscopo como uma tábua de para você navegar durante a vida?, diz ele, para logo em seguida contar que as previsões astrais não dão certo porque nunca ganhou na Mega Sena. Sim, Boni tenta a sorte na loteria enquanto segue à frente da TV Vanguarda, afiliada da Globo no Vale do Paraíba, em São Paulo, onde diz exercitar sua criatividade ?sem incomodar ninguém.? Aos 76 anos, 25 deles casado com Lou de Oliveira, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho lança, na quarta-feira 30, dia de seu aniversário, no Copacabana Palace, no Rio, o seu livro de memórias. O Livro do Boni foi escrito durante um tratamento contra um câncer reincidente. A determinação em seguir com o trabalho ajudou-o a não temer a morte. ?Convivo tranquilamente com a ideia de passar pela vida e ir embora daqui a pouco?, conta ele à Gente no escritório de seu apartamento, uma cobertura de frente para o mar em São Conrado, no Rio. Na prateleira atrás de sua mesa, há duas fotos com Roberto Marinho, fundador da Globo. Uma delas mostra os dois seguram uma claquete durante a inauguração do Projac. Descontraído, Boni fala sobre seus sucessores na emissora carioca, a censura militar, a relação com a família e faz revelações inusitadas, como o fato de não considerar seus netos parentes. ?Só é meu neto quando começa a beber vinho?, brinca. Em que momento pensou em escrever o livro? Não queria escrever, depois que o empresário Ricardo Amaral fez o dele (Vaudeville ? Memórias, lançado em 2010), me convenceu a fazer. Queria deixar pra fazer no final da minha carreira profissional, e ela ainda está ativa. Mas antes que contem mentira sobre mim, resolvi contar minhas próprias. Qual foi seu maior acerto na Globo? Ter montado uma equipe capaz de fazer acontecer meu sonho, que se identificou comigo porque eu sempre fui um ranheta, chato e intolerante. Lá na Globo existiam os intolerantes, só gente que queria fazer o melhor, gente perfeccionista. Cometeu algum erro? Nenhum. Fui perfeito. Fizemos um milagre, o que era considerado impossível, porque nossa televisão saiu do nada. Como era sua relação com Roberto Marinho? Sempre agradável, era uma pessoa muito interessante, com uma cultura muito grande, autodidata, amante de música como eu. Gosto muito de horóscopo e o doutor Roberto e eu éramos sagitarianos com cinco dias de diferença, tínhamos temperamentos parecidos. Horóscopo? Eu adoro! Gosto de horóscopo como uma tábua de maré pra você navegar durante a vida. Esses estudos astrológicos indicam alguns parâmetros da sua vida. Faz mapa astral? Faço vários. Com duas ou três astrólogas para conferir se tem discrepância. E geralmente não tem, porque quem faz o mapa astral hoje é o computador. E dá certo? Não, nunca dá certo (risos). Até hoje eu não ganhei na Mega-Sena. E eu jogo. Joga toda semana? Só jogo quando está acumulado. Como o horóscopo, que só leio quando o astral está muito bom (risos). O senhor não fala muito sobre sua saída da Globo. Tem mágoa dos Marinho? Não, nenhuma. Não quis mexer nesse assunto porque não queria fazer um livro de queixas e reclamações. Saí porque achei legítimo que os filhos quisessem dar outro rumo à empresa. As pessoas que foram levadas pra lá, embora cada uma competente no que fazia, eram neófitos, distantes da televisão. Acha que a Marluce Dias da Silva, que o substituiu, não tinha conhecimento de tevê? Ela não sabia nem ligar a televisão da casa dela, mas era uma boa pessoa. Se ela tivesse humildade de aprender, se tivesse lá para começar debaixo, chegaria lá porque é uma pessoa de talento. Gosto dela. Ela nasceu no mesmo dia que eu. Então, eu mando flores para ela, ela me manda flores. Nunca nos desentendemos. Qual foi a pior situação que enfrentou durante a ditadura? A Globo tinha a maior audiência, era a mais censurada. Foi um período traumático. Quando a gente queria dizer alguma coisa, tentávamos ludibriar a censura. Na época de O Bem Amado (1973), tínhamos uma abertura que dizia: ?Estamos trancados num barril de pólvora?. Aquilo a censura ouvia porque tinha uma melodia de Vinicius de Morais e Toquinho. No livro, o senhor revela que Roberto Marinho temia muito perder a concessão. Quem era o pior censor, o governo ou ele? Ele nunca foi censor porque era um liberal. Nunca viu nenhum programa antes, nunca interferiu na televisão, só queria saber o que estava dando audiência, prestígio, resultado financeiro. Não fazia questão alguma de ver uma edição do Jornal Nacional antes, mas se ele tinha alguma recomendação, fazia. Ele só interferiu na parte política, onde era soberano. O único caso de censura direta dele foi quando o Dias Gomes entrou na questão da exploração imobiliária e ele tinha amigos com interesses que começaram a pressioná-lo. Dizem que o senhor gastava sem dó e mandava refazer um programa quantas vezes fossem necessárias. Esta foi uma das alegações dos herdeiros de Roberto Marinho para afastarem o senhor? Não, porque a Globo, quando eu saí de lá, estava perfeitinha. Depois que eu saí que eles jogaram a televisão no buraco. Não foi nem por causa da questão de programação, eles fizeram outros investimentos. O que eles queriam realmente é fazer outra coisa, outra estrutura que não dependesse de uma pessoa só. Queriam ficar independentes do Boni. Acho legítimo. O que assiste hoje na tevê? Só vejo jornal. O senhor costuma ver tudo com bom humor, até quando dá errado? Evidente que, se eu sou intolerante, acho que o erro não pode ser repetido. Mas entendo que o erro pode ocorrer. Duas vezes entraram matérias erradas no jornal. Dei um pontapé na parede, que era de papelão, e fiquei com o pé preso lá dentro, tive de esperar terminar o jornal para o carpinteiro me liberar e todo mundo rindo de mim. No final, não fiquei bravo com ninguém. Tinha de rir. Como descobriu o câncer de próstata, em 2003? Sou hipocondríaco, faço exame de rotina. Eu descobri que havia possibilidade de ser câncer, parti para uma biópsia e encontrei. Fiz uma cirurgia e teoricamente estava livre. Sete anos depois, ele voltou e comecei um novo tratamento. Dessa vez, com radioterapia e hormonioterapia. Ficou assustado com a reincidência da doença? Sou tranqüilo. Já havia ocorrido a metástase, tive de agir rapidamente. Fiz 32 dias de radioterapia e termino em dezembro o tratamento hormonal. Mas os resultados dos exames já mostram que o câncer mudou de canal, está em outra emissora. Saiu da minha programação. Teve medo de morrer? Não tenho de morrer. Espero ficar velho com a lucidez da minha mãe, que aos 96 anos está tomando seu vinhozinho do Porto. Como é o Boni avô? Brinco que neto não é parente. Acho que neto inicia uma outra família. Minha família termina no filho. Gosto deles, mas não cultivo essa relação, não sou tribal. Acho que não gosto que neto seja parente porque sou muito afetivo e vou sofrer muito, ficar muito preocupado. Já chega a preocupação que tive com meus filhos. Quando é grande e toma vinho, passa a ser meu neto. Quando é pequeno, não vem aqui para dentro de casa porque eu não quero. Mando o pessoal levar para a Disney. Como é seu relacionamento com Boninho? Muito bom. Viajamos muito juntos. Ele foi muito carinhoso comigo quando fui fazer meu exame de câncer em Boston. Parou de trabalhar e fez questão de me acompanhar. A gente só combina que ninguém fala do trabalho um do outro. Não gosto de me meter porque se ele ouvir e der errado o culpado vou ser eu. Siga Gente no Twitter!