Um escândalo de suposta corrupção privou a presidente peruana, Dina Boluarte, de seu chefe de gabinete e braço direito. Mas mesmo sem seu maior suporte, com a economia no vermelho e as pesquisas desfavoráveis, analistas consideram pouco provável que seu tumultuado mandato não termine em 2026.

Boluarte, cuja popularidade não ultrapassa os 10% nas pesquisas e que não tem um partido próprio em um Congresso controlado pela direita e extrema direita, contava com Alberto Otárola como um habilidoso operador político.

Mas, acima de tudo, como seu escudeiro diante das investigações pela repressão aos protestos contra sua chegada ao poder em 2022, quando cerca de cinquenta manifestantes morreram por ação das forças do Estado, segundo organizações internacionais de direitos humanos.

Foi Otárola, como ministro da Defesa e depois primeiro-ministro, quem propôs a estratégia repressiva contra os grupos de esquerda que se opuseram à destituição de Pedro Castillo, o ex-presidente preso e processado que tentou sem sucesso dissolver o Parlamento.

Boluarte, até então sua vice-presidente discreta, assumiu o poder de um país com um histórico recente de instabilidade.

Como o governo sobrevive aos protestos e ao escândalo? Aqui estão algumas chaves:

1 – Que tudo continue igual

Otárola, advogado de 57 anos, teve que deixar o governo após o escândalo da divulgação de áudios nos quais ele é ouvido se referindo a uma mulher menor de 30 anos como “amor” e que obteve contratos com o Estado no ano passado no valor de cerca de 69 mil reais, em um suposto caso de tráfico de influências que o agora ex-primeiro-ministro nega.

Em seu lugar, assumiu nesta quarta-feira o advogado de centro-direita Gustavo Adrianzén, ex-representante do Peru na Organização dos Estados Americanos (OEA).

A presidente “conseguiu um primeiro-ministro que se assemelha muito a Alberto Otárola. Suspeito que não haverá grandes mudanças substantivas”, diz o analista Augusto Alvarez Rodrich à AFP.

O fato de Adrianzén ser o único rosto novo em um gabinete de 18 ministros após o recente escândalo “dá a impressão de que apenas a principal figura foi trocada para que nada mude. E como acontecia com Otárola, ele será o contrapeso com as bancadas do Congresso”, acrescenta.

“Que tudo mude para que tudo continue igual”, resume Rodrich.

2 – Convivência e conveniência

Assim, com a chegada de Adrianzén, a presidente quer evitar a todo custo confrontos com o Legislativo.

Desde 2017, o Peru teve seis presidentes, dois deles destituídos pelo Congresso; dois que renunciaram antes de sofrer a mesma sorte; um que completou seu breve mandato interino de 8 meses e Boluarte, que apesar dos protestos sangrentos se recusou a renunciar ou antecipar as eleições.

“É muito provável que Dina Boluarte complete seu mandato, porque a oposição nas ruas não tem interesse em tirá-la e porque no Congresso também não há interesse entre as diversas bancadas de esquerda ou direita. Todas querem completar seu mandato parlamentar em julho de 2026”, diz o analista José Carlos Requena.

Até essa data, todas as forças tentarão manter um governo tácito de coalizão. Na prática, Boluarte ainda “conta com o apoio do Congresso e não acredito que a oposição cresça”, conclui.

Segundo o analista, “o grande estímulo para que o Congresso não mexa as águas é sua própria sobrevivência. Dissolver a Câmara em março de 2024 e antecipar as eleições em caso de crise ou confrontos não é um cenário desejado pela maioria das bancadas, apenas uma minoria deseja novas eleições”.

3 – Direitos humanos e economia

O ponto fraco de Boluarte ainda é seu histórico negativo em direitos humanos após a repressão aos protestos.

“A queda de Otárola pode fazer com que as organizações de direitos humanos intensifiquem suas críticas ao governo, mas não acredito que serão suficientes para colocar em risco a continuidade do regime”, diz Requena.

Por outro lado, também não parece provável que a economia incentive o descontentamento popular, apesar de o país estar em recessão desde 2023.

Os indicadores para 2024 preveem melhorias e a inflação está caminhando para ficar dentro da faixa anual prevista abaixo de 3,0%.

“O povo não vai se mobilizar por nada no Peru, perdeu a confiança nos protestos, a economia está melhorando em investimento e no segundo semestre haverá melhorias”, sentencia o analista Augusto Alvarez.

Apesar de passar de crise em crise política, a economia peruana – com 70% de informalidade – tem se mostrado resistente. Hoje, a moeda peruana é cotada praticamente igual ao que era antes do escândalo (1 dólar vale 3,77 sóis).

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