O presidente Jair Bolsonaro está sob fogo cruzado por sua indiferença a um enfrentamento firme da pandemia do novo coronavírus, que causa estragos em todo país, onde já deixou mais de 300.000 mortos.
Aliados e adversários, empresários e epidemiologistas, médicos e meios de comunicação mostram-se saturados diante do presidente, que nos últimos dias deu sinais de querer corrigir o rumo, embora não convença.
A ideia de que seu posicionamento contra o uso de máscaras, o incentivo a aglomerações e a rejeição a medidas de distanciamento social foram a causa de muitas dessas mortes é retomada por personalidades e especialistas, ao mesmo tempo em que formadores de opinião não hesitam em chamá-lo de “genocida”.
O governador de São Paulo, João Doria, ex-aliado do Bolsonaro que se tornou um de seus principais adversários, chamou-o de “psicopata”.
“Vejo uma acumulação de desgastes. A paciência dos atores políticos com Bolsonaro está se esgotando”, disse à AFP Ricardo de João Braga, pesquisador associado ao portal Congresso em Foco, especializado em assuntos parlamentares.
Bolsonaro conserva um núcleo duro de apoiadores e 30% de opiniões favoráveis, mas 54% dos brasileiros desaprovam sua forma de gerenciar a pandemia, segundo pesquisa recente do instituto Datafolha.
“Jair Bolsonaro agora quer convencer os brasileiros de que é presidente da República, e não o irresponsável que todos conhecem”, escreveu o jornal O Estado de S.Paulo em editorial nesta quinta-feira.
– “Diluir pressões” –
Na noite de terça-feira, Bolsonaro tentou mostrar empatia com “todos aqueles que perderam um membro da família”, em um discurso à nação que foi seguido de estrondosos panelaços nas principais cidades do país.
No dia seguinte, ele quis demonstrar união nacional convocando os principais líderes do Congresso e do Supremo Tribunal Federal e vários governadores para uma reunião, depois da qual anunciou a criação de uma comissão para resolver a crise da saúde “sem conflito e sem politização”.
A foto final, segundo a imprensa, não revelou o clima tempestuoso da conversa.
O único consenso real a ser alcançado parece ter sido a necessidade de focar na campanha de vacinação, dando fim à relutância que Bolsonaro manifestou até recentemente sobre sua eficácia; em certa ocasião, ele chegou a dizer que as vacinas podem causar alterações genéticas e transformar quem se imunizasse em “jacaré”.
No entanto, o ex-capitão do Exército parece relutante em mudar seu discurso contra o confinamento ou em parar de recomendar “tratamentos precoces” com o uso de medicamentos como a hidroxicloroquina, sem evidências científicas de eficácia contra a covid-19.
“Em princípio a reunião era algo mais reservado, Bolsonaro e presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo. Depois, por iniciativa do Presidente da República, a reunião virou um grande ajuntamento de gente”, com a participação de vários ministros, ressalta João Braga.
Bolsonaro esperava, assim, “diluir as pressões”, mas isso “gerou um desgosto da parte dos verdadeiros interlocutores”, considera o analista.
– “O Brasil exige respeito” –
Algumas horas depois, o presidente da Câmara dos Deputados, Artur Lira, abandonou os sorrisos de costume e elevou o tom em discurso no plenário.
“Estou apertando hoje um sinal amarelo para quem quiser enxergar”, afirmou Lira, alertando que o Congresso poderia fazer uso de remédios que “são conhecidos e são todos amargos”, e complementou com “alguns, fatais”.
Uma abordagem interpretada como uma ameaça de abertura de um possível processo de impeachment contra Bolsonaro.
Uma série de pedidos de impeachment já foram apresentados e é justamente o presidente da Câmara que decide se eles podem ser submetidos à votação dos legisladores.
O setor empresarial, que apoiou Bolsonaro em sua eleição em 2018, em meio ao temor do retorno da esquerda, também deu um passo à frente.
“O país pode se sair melhor se perseguimos uma agenda responsável. O país tem pressa; o país quer seriedade com a coisa pública; o país está cansado de ideias fora do lugar, palavras inconsequentes, ações erradas ou tardias. O Brasil exige respeito”, argumentou a carta pública assinada por 1.500 empresários, banqueiros e economistas, que teve grande repercussão no país.