Camilo Santana é um político da nova geração. A fala suave e calma revela um estilo de quem não precisa se impor. O governador do Ceará está sempre mais atento às oportunidades de conciliar do que de divergir. O petista, de 52 anos, está no segundo mandato e teve na última eleição, em 2018, 79,96% dos votos no primeiro turno. Santana foi lançado candidato ao governo do Estado pelo irmão de Ciro Gomes, o ex-governador Cid Gomes. Ele é um trunfo para uma possível reaproximação entre Lula e Ciro para 2022. Crítico de Bolsonaro, a quem acusa de estimular o contrário do que a ciência orienta para combater a Covid, o governador tem como maior orgulho da sua administração os bons índices na educação. Entre as dez melhores escolas públicas do País, nove são cearenses conforme Ideb de 2019. Em entrevista exclusiva à ISTOÉ, Santana é categórico ao afirmar que o partido já devia ter feito autocrítica em 2018.

O País é o epicentro da pandemia. Qual é o principal motivo para a consolidação desse desastre?
Primeiro, houve falta de uma coordenação nacional. O Brasil está há um ano sem uma diretriz nacional para o enfrentamento da pandemia. Isso exigiu que os governadores e prefeitos tomassem medidas, muitas vezes difíceis. A troca de quatro ministros da Saúde em um ano é a prova mais cabal do quanto a condução dessa pandemia foi negligenciada. Mais do que a falta de diretriz, há uma orientação contrária. Enquanto os governadores tomam medidas baseadas na ciência para reduzir a transmissão do vírus, a maior liderança desse País, o presidente Bolsonaro, toma ações no sentido contrário. Bolsonaro estimula o contrário do que a ciência orienta.

Como os governadores podem se opor ao presidente?
Nós, reunidos em torno do fórum dos governadores, temos sempre colocado que nosso interesse é colaborar e contribuir por um momento de união desse País. O nosso inimigo é o vírus. Esse é um momento de deixar questões políticas, partidárias e ideológicas de lado. Já passamos de 340 mil mortos no Brasil e somos o epicentro da Covid no planeta. Temos uma imagem destruída internacionalmente, fruto da falta de diretriz da maior autoridade desse País. Houve uma iniciativa recentemente de se criar um conselho, onde se excluiu os governadores e prefeitos. Eu acho que esse governo age por conveniência. Parece que é uma busca apenas pensando nas questões eleitorais.

O senhor está sendo ameaçado de morte?
Vivemos um momento de estímulo à intolerância e ao ódio no País. Algumas pessoas têm reagido às medidas contra a Covid que estamos tomando. Isso tem feito com que aqueles que negam a pandemia reajam. É um grupo pequeno, mas existe. A inteligência da polícia detectou recentemente uma pessoa, por meio de gravações, ameaçando o governador. A polícia prontamente investigou, uma pessoa foi levada à delegacia e descobriu-se que ela tem uma ficha de antecedentes criminais, inclusive com estupro entre os delitos. As providências estão sendo tomadas de forma legal e esta pessoa vai responder pelas ameaças na Justiça.

O que o senhor pensa sobre a liberação dos cultos religiosos concedida pelo ministro do STF, Kassio Nunes Marques, durante a pandemia?
Acho uma decisão equivocada. Todas as decisões tem que ser tomadas a partir da ciência. No Ceará estamos há um ano com um comitê científico. Nos reunimos toda semana, inclusive com a participação dos poderes: Poder Judiciário, Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Assembleia Legislativa, equipe da saúde e professores universitários. Avaliamos os números do Estado e todas as decisões são tomadas por orientações técnicas. É claro que é importante levar em consideração as questões econômicas e sociais, mas a prioridade é a vida das pessoas. Acho legítimo o desejo das pessoas frequentarem os cultos, mas foi uma decisão equivocada a liminar de Nunes Marques, ele ignorou a gravidade da pandemia.

Qual o propósito das trocas de ministros?
O governo está tão instável que isso acaba criando um vácuo. Não sei se isso é uma estratégia do governo federal para ampliar sua base de apoio. O Centrão está aproveitando e ocupando espaços pela instabilidade e fragilidade do governo. Bolsonaro tem perdido apoio popular no início do terceiro ano, principalmente pela crítica da população diante das medidas de enfrentamento da pandemia. O lado mais ideológico do governo está perdendo espaço.

O que o senhor acha do presidente utilizar a Lei de Segurança Nacional contra seus adversários?
É lamentável. Eu tenho até dito que o governo Bolsonaro se alimenta do ódio e da mentira, procura inclusive estimular o confronto, tentando colocar os prefeitos e governadores contra a própria população com informações inverídicas, isso é lastimável. Nós precisamos reagir fortemente e combater as atitudes do presidente que confrontem a democracia.

Há um custo no País chamado Bolsonaro?
Sem dúvida. O Brasil está com a imagem destruída.A confiança dos investidores internacionais diante da instabilidade política é muito ruim. Isso tem um custo econômico e social. Além da pandemia, há problemas com questões ambientais e relações diplomáticas. A China é o país que mais poderia estar ajudando o Brasil, mas o governo criou situações difíceis por posições errôneas tomadas pelos próprios filhos do presidente. Bolsonaro errou e apostou muito na relação com Trump.

A decisão do STF sobre a anulação da condenação do ex-presidente Lula movimentou muito o cenário político. Como o senhor analisa as perspectivas para 2022?
Eu já havia afirmado lá atrás que a questão do Lula foi um processo político. Isso ficou claro com a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro. Isso muda muito o cenário para 2022. Eu tenho defendido que é preciso mais diálogo e maturidade para arregimentar as forças de centro-esquerda para um caminho mais democrático. Fiz um esforço muito grande para reunir, depois de tanto tempo, o ex-presidente Lula e o ex-governador Ciro Gomes num encontro em setembro do ano passado. Eu testemunhei esse encontro. Eles têm mais convergências do que divergências. São dois líderes importantes. Lula foi um dos melhores presidentes da história desse País e tem muito a contribuir, assim como Ciro. Mas não dá para cada um agir sozinho. O projeto do País deverá estar acima de nomes, sem mágoas, sem vaidades e olhando para um horizonte de futuro. A briga das esquerdas e do centro só fortalecerá esse projeto extremista de poder em andamento.

Existe um assunto adormecido que é a autocrítica do PT. Ela vai acontecer em algum momento?
Eu já defendia que o PT fizesse uma autocrítica dos fatos que ocorreram. Acho que teria que acontecer. Me lembro bem de uma reunião no segundo turno da eleição do Haddad. Sugeri que ele deveria dizer que foram cometidos muitos acertos, mas também foram cometidos erros. Falei da importância de unir o Brasil naquele momento. Não é demérito assumir os erros. Eu mesmo já fiz autocrítica do meu governo. Se uma decisão não foi correta eu faço um recuo com a maior humildade. Fazer a autocrítica é um caminho de quem quer construir o melhor.

Além do ex-presidente Lula, há outras lideranças que o partido possa apoiar?
Acho que o projeto do País deverá estar acima de nomes. Para construção desse projeto é importante a participação de várias lideranças e não tenho dúvida que Lula sempre será um grande nome. Também tem o Ciro Gomes, o Guilherme Boulos e outras pessoas de partidos de centro-esquerda. Acho que é preciso ter mais clareza do projeto que se quer construir a curto, médio e longo prazo. Estou falando não de política de governo, mas de política de Estado. Pra mudar, principalmente, o perfil da população miserável.

Qual seria o limite de composição do PT para 2022?
Qualquer partido que queira contribuir com um projeto novo será sempre bem-vindo. Para mudar esse desastre é preciso somar forças. São forças republicanas em favor do País.

As últimas eleições mostraram a derrota dos extremos. Isso perdurará até a próxima eleição?
A população enxerga a importância da experiência dos políticos. Recentemente, muitos países mostraram o sucesso a partir do conhecimento dos seus governantes. No Brasil, isso ficou muito claro, até por conta da decepção que estamos assistindo com Bolsonaro. A população vai avaliar experiência, passado, história e credibilidade. Bolsonaro falava em ser o novo, mas, na prática, nada do que ele disse se concretizou. Ele fez a mais velha e lastimável política da história do Brasil.

A pandemia acelerou os problemas que já aconteciam. O que fazer para acelerar o desenvolvimento do Brasil?
Precisamos fortalecer segmentos importantes. Temos uma indústria na área da saúde que tem um potencial importante, inclusive, para o mercado consumidor. A pandemia mostrou a dependência dessa área por falta de investimento em ciência e tecnologia. Outra área é a da energia renovável. Podemos ser um centro da produção de hidrogênio no planeta. Temos o setor do agronegócio, que pode alimentar parte do mundo. Precisamos reunir as grandes mentes que tenham estudado e planejado nosso desenvolvimento. O Brasil perdeu a cultura de planejar. O projeto de Estado precisa ser independente de quem seja o futuro presidente. Aqui, nós fizemos o projeto Ceará 2050, conduzido pela Universidade Federal e que prosseguirá com quem quer que seja o próximo o governador.

Como fica a educação, já que o Ceará conta com um bom crescimento nos índices de avaliação?
Há treze anos, o Ceará tinha um dos piores resultados do País na questão educacional. Nós construímos uma política meritocrática com indicadores de rendimento, distribuição de ICMS de acordo com os perfis e hoje temos os melhores frutos do Brasil nas últimas séries do ensino fundamental. Transformamos projetos em leis e quem quer que seja o próximo o governador terá que seguir a política de Estado. Entre as dez primeiras escolas, nove são do Ceará em todo o Brasil, conforme o último Ideb de 2019.