O presidente Jair Bolsonaro recebeu pessoalmente o segundo pacote de joias da Arábia Saudita que chegou ao Brasil pelas mãos da comitiva do então ministro de Minas e Energia (MME), Bento Albuquerque. No estojo estavam relógio com pulseira em couro, par de abotoaduras, caneta rosa gol, anel e um masbaha (uma espécie de rosário islâmico) rose gold, todos da marca suíça Chopard. O site da loja vende peças similares que juntam somam, no mínimo, R$ 400 mil.

Ao Estadão, o tenente-coronel do Exército Mauro Cid, ajudante de ordens e “faz-tudo” do ex-presidente, disse que o estojo está com Bolsonaro, no “acervo privado” dele. A entrada das peças no Brasil sem declarar à Receita e a apropriação pelo presidente estão irregulares. O entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU) é que os ex-presidentes só podem ficar com lembranças de “caráter personalíssimo” como roupas e perfumes.

O Estadão teve acesso a documentos oficiais que comprovam que o pacote foi entregue no Palácio da Alvorada, residência oficial dos presidentes da República. O recibo indicando que Bolsonaro recebeu as joias de diamantes foi assinado pelo funcionário Rodrigo Carlos do Santos às 15 horas e 50 minutos do dia 29 de novembro de 2022. O documento da Documentação Histórica do Palácio do Planalto traz um item no qual questiona se o item foi visualizado por Bolsonaro. A resposta: “sim”.

Antes, as joias ficaram por mais de um ano nos cofres do Ministério de Minas e Energia. Elas chegaram ao Brasil trazidas pelo então ministro Bento Albuquerque em outubro de 2021. Ele não declarou o ingresso dos diamantes, o que pela legislação é um crime. No mesmo voo, estava o assessor do ministro com outro estojo da marca Chopard, contendo um colar, um par de brincos, relógio e anel estimados em 3 milhões de euros (R$ 11,5 milhões). Essas peças, porém, foram apreendidas pela Receita Federal quando o assessor do ministro também tentou entrar com elas ilegalmente no País, como revelou o Estadão.

Somente no dia 29 de novembro de 2022, o Ministério de Minas e Energia envia o estojo ao Palácio do Planalto, onde trabalha o presidente. Não se sabe por que se guardou as joias por mais de um ano no ministério, já que, como Albuquerque sustenta, tratava-se de um presente do regime saudita ao governo do Brasil. Pela legislação, além de declarar formalmente que se tratava de um presente de um governo para o outro, as peças deveriam ser encaminhadas para o acervo público da Presidência da República. Albuquerque deixou o ministério em maio de 2022.

No mesmo dia 29 de novembro de 2022, uma nova determinação foi dada para que o pacote fosse encaminhado imediatamente para a residência oficial de Bolsonaro, o Palácio da Alvorada.

Os documentos contrariam a versão de Bolsonaro, que no último sábado, 04, após evento nos Estados Unidos, disse que não pediu nem recebeu qualquer tipo de presente em joias do governo da Arábia Saudita. “Estou sendo crucificado no Brasil por um presente que não pedi e nem recebi. Vi em alguns jornais de forma maldosa dizendo que eu tentei trazer joias ilegais para o Brasil. Não existe isso”.

Em entrevista ao Estadão, o ex-ministro disse que ele e sua comitiva estavam deixando a Arábia Saudita, quando um representante do governo saudita os encontrou no hotel e entregou dois pacotes. “Esses pacotes foram distribuídos nas malas. Uma ficou com o Marco Soeiro, a outra eu não sei com qual membro da comitiva”, disse, afirmando que não tinha conhecimento do conteúdo das caixas.

conjunto de brilhantes avaliado em R$ 16,5 milhões e que, como confirmou Albuquerque, era destinado à primeira-dama Michelle Bolsonaro, ficou retido na alfândega. O segundo pacote passou pela alfândega dentro da bagagem de outro viajante, que ele disse não saber qual. De São Paulo, a comitiva pegou um voo para Brasília e trouxe o segundo estojo, sem passar pela alfândega, como o próprio Albuquerque reconhece.

“Quando nós chegamos em Brasília, nós abrimos o outro pacote, que tinha relógio… era uma caixa de relógio… não sei se… tinham mais algumas coisas, e era um presente. Então, o que nós fizemos? Nós pegamos, fizemos um documento, encaminhamos para a Receita Federal ou para o Serviço de Patrimônio da União… não sei, quem fez isso foi o gabinete (do MME). E foi isso”, afirmou.

Em entrevista, o ex-ministro Bento Albuquerque relatou o que ocorreu. Segundo o almirante, ele e sua comitiva estavam deixando a Arábia Saudita, quando um representante do governo saudita os encontrou no hotel e entregou dois pacotes.

Presentes dados por um governo de um país a outro são direcionados ao acervo público. composto por presentes recebidos pelo presidente da República de outros chefes de Estado. Isso acontece, por exemplo, quando o chefe do Executivo federal visita outras nações. Os bens ficam no Palácio do Planalto ou podem ser direcionados ao Arquivo Nacional e ao Museu da República.

Já o acervo pessoal é composto por presentes recebidos pelo presidente e que são considerados itens de natureza personalíssima, como roupas, alimentos ou perfumes. Também pode ser o caso de bens oferecidos por pessoas, empresas ou entidades. Os bens são levados pelo mandatário ao fim do mandato.