O momento mais importante da corrida eleitoral até o momento foi a entrevista do presidente no Jornal Nacional desta segunda-feira, 22. Bolsonaro repetiu as mentiras de sempre (contra as urnas eletrônicas, as medidas restritivas na pandemia etc.), ampliando o repertório (disse que é o responsável pelo PIX, no que foi desmentido em seguida pelos funcionários do BC) e fugindo das lembranças sobre suas ações nefastas. Não reconheceu que doentes morriam em Manaus em janeiro de 2021 enquanto seu governo mandava cloroquina ao invés de oxigênio, nem que debochou de pacientes morrendo de falta de ar.


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O mais importante, no entanto, foi sua mudança de atitude. Ao invés de distribuir insultos, tentou desenvolver argumentos e se mostrar civilizado, apesar do semblante enfurecido que denotava ódio e vontade de partir para cima dos apresentadores e da própria emissora. Foi o que fez em 2018, o que ajudou a criar a fama de “mito” e atrair fanáticos nas últimas eleições.

A diferença é que, agora, se quiser ganhar as eleições, Bolsonaro percebeu que precisa moderar o discurso, resgatar arrependidos e tentar mostrar realizações do seu governo. É justamente isso que tenta fazer desesperadamente o Centrão, ávido por manter a normalidade das eleições, conquistar novas cadeiras no Congresso e ampliar ainda mais os orçamentos secretos por meio de seu casamento com o bolsonarismo. Não interessa ao grupo fisiológico a ruptura.

Com um teto de cerca de 35% dos votos, o mandatário vive um impasse. Precisa se mostrar um político “normal” para conquistar votos, enquanto é obrigado a radicalizar para atrair os aliados extremistas. No íntimo, ele vive a tentação de dar um golpe e criar uma nova ditadura, o que só não fez ainda porque não tem força.

No mesmo dia dessa entrevista tensa, chegava a Brasília o coração de dom Pedro I. A peça em formol foi trazida de Portugal para um giro cívico durante o Bicentenário da Independência, numa ideia da médica Nise Yamaguchi, negacionista investigada na CPI da Covid, para turbinar as chances eleitorais do presidente.

A recepção em Brasília foi esquisita, como não poderia deixar de ser. Bolsonaro queria com essa patriotada se equiparar ao patrono da Independência e resgatar o ufanismo que o regime militar irradiou com sucesso nos anos 1970. Ficou, metaforicamente, com o coração na mão. O mandatário não cabe no figurino de herói e nem tem estatura de estadista. Não pode simbolizar as aspirações mais nobres do povo, já que desdenha da própria população.