29/03/2021 - 21:22
O presidente Jair Bolsonaro trocou nesta segunda-feira (29) seis ministros, entre eles os das pastas estratégicas de Relações Exteriores, Defesa e Justiça, no momento em que o governo se encontra enfraquecido e pressionado devido ao fracasso na luta contra a pandemia.
As mudanças começaram pela manhã, com a renúncia do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, acusado por líderes do Congresso de ter prejudicado a compra de vacinas contra a covid-19 devido a divergências com a China, e continuaram à tarde, com trocas imprevistas.
O primeiro movimento foi a saída do general Fernando Azevedo e Silva do Ministério da Defesa. Juntamente com Araújo, ele integrava o gabinete desde a chegada de Bolsonaro ao poder, em janeiro de 2019.
Silva será substituído pelo general Walter Braga Netto, atual ministro chefe da Casa Civil.
Horas depois, o presidente confirmou outras quatro mudanças, que incluíram os ministérios da Justiça e a Advocacia-Geral da União.
Para a Secretaria de Governo, foi designada a deputada Flávia Arruda, terceira mulher a integrar o gabinete, de 22 membros.
A reforma pegou de surpresa o país, que, há uma semana, teve a nomeação do quarto ministro da Saúde em um ano, o cardiologista Marcelo Queiroga, no lugar do general Eduardo Pazuello, criticado por sua gestão caótica da pandemia, que deixou mais de 313 mil mortos no país, com média de mais de 2.600 óbitos diários nos últimos sete dias, quase o quádruplo do começo do ano.
– Uma diplomacia mais pragmática? –
O chanceler Ernesto Araújo, um ideólogo na cruzada contra o “globalismo”, a “ideologia de gênero” e a “ideologia das mudanças climáticas”, apresentou sua renúncia após uma avalanche de críticas do Congresso.
Seu substituto, Carlos Alberto Franco França, de 56 anos, diplomata de formação, atuava como funcionário da assessoria especial da Presidência.
França ocupou cargos nas representações brasileiras na Bolívia, Paraguai e nos Estados Unidos. Em sua carreira, escreveu uma tese sobre a integração energética entre Brasil e Bolívia. As primeiras informações de diplomatas citadas pela imprensa o descrevem como de perfil mais pragmático que o antecessor.
A gestão de Ernesto Araújo se distinguiu por um alinhamento automático à diplomacia do ex-presidente americano Donald Trump, a ponto de o Brasil ser o último país do G20 a reconhecer a vitória de Joe Biden nas eleições americanas.
Esse alinhamento foi visto principalmente em suas polêmicas com a China (principal parceira comercial do Brasil), que prejudicou o lobby do agronegócio brasileiro.
No ano passado, ele saiu em defesa do deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, criticado pelo embaixador chinês em Brasília por ter afirmado que o Brasil buscará “uma aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China”.
Seus críticos culpam essas atitudes por grande parte dos atrasos na obtenção de suprimentos de vacinas contra a covid-19.
Em sua carta de renúncia, Araújo afirmou que esta teoria é uma “narrativa falsa e hipócrita” montada contra ele, a serviço de “interesses escusos, nacionais e estrangeiros”; e que pôs seu cargo à disposição “em benefício do projeto de transformação nacional” liderado por Bolsonaro.
– Mudanças sob pressão –
As razões para a reforma ministerial não foram imediatamente explicadas pelo governo, mas analistas apontam que Bolsonaro tem enfrentado uma pressão crescente de parte de seus aliados no Congresso, que pediam mudanças de rumo em meio à sua caótica gestão da pandemia.
“Não está clara para mim a motivação da saída do ministro da Defesa: se o presidente quer o cargo para algum aliado ou se o general deixa o posto por alguma discordância política grave com Bolsonaro”, disse à AFP o cientista político Mauricio Santoro, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
No caso de Araújo, “a causa mais importante para a queda foi a dificuldade do Brasil de ter acesso às vacinas, mas também pesaram muito fatores como conflitos sobre meio ambiente e suas dificuldades no diálogo com os principais parceiros comerciais do Brasil: China, Estados Unidos, Argentina, União Europeia”, avaliou.
Segundo fontes diplomáticas, a Índia, outro grande produtor de vacinas e integrante do grupo de países emergentes BRICS, também se incomodou com a recusa do Brasil em aderir às propostas de Nova Délhi de quebrar as patentes dos grandes laboratórios que fabricam vacinas contra o novo coronavírus.
A vacinação no Brasil, iniciada em janeiro, teve várias interrupções. Até o momento, apenas 13,6 milhões de pessoas foram vacinadas com a primeira dose e 4 milhões com a segunda, em um país com 212 milhões de habitantes.