RESUMO

• Em vez de se defender na PF, Bolsonaro optou pelo silêncio, e agora convoca um comício para se mostrar perseguido
• Em afronta às decisões da Justiça, Bolsonaro chamou apoiadores para manifestação política que pode ser tiro no pé
• 
Estratégia pode complicar sua situação diante das evidências sobre seu papel central na aventura antidemocrática de 8/1

As restrições impostas pelo STF não mudaram o ímpeto do ex-presidente Bolsonaro que, com todos os riscos de prisão, subiu o tom das provocações. Depois dos ataques às urnas, as denúncias infundadas sobre fraude e o planejamento de um golpe de Estado, Bolsonaro assumiu uma postura de vítima “perseguida pelo sistema” e, dobrando a aposta, convocou manifestação política para afrontar as investigações e decisões judiciais numa atitude que pode se tornar uma autoimolação em público. É um desafio ao Judiciário, como se estivesse apostando na sua própria prisão. Sua justificativa para o ato na avenida Paulista no domingo, dia 25, beira o escárnio.

“Qual o recado ali? Em defesa do Estado de Direito e da nossa liberdade”, disse, pelas redes sociais, o ex-chefe de Estado que passou quatro anos atacando as instituições, preparando a ruptura da democracia e estimulando uma intervenção militar que, se tivesse dado certo, teria acabado com direitos e liberdades.

Em vez de seguir as recomendações de seus próprios advogados, que pediram foco na defesa técnica, ele falseia a realidade dizendo que não tem acesso aos autos e, apostando no tudo ou nada, quer usar comícios fora de época para novos ataques às instituições, enquanto se silencia no inquérito em que já figura como o alvo central das investigações, às portas do indiciamento e de uma denúncia certos e que podem levá-lo brevemente para a cadeia.

Qualquer investigado tem o direito de se manter em silêncio diante da autoridade policial, mas se não tiver culpa ele perde também a oportunidade de esclarecer suspeitas e se defender no inquérito, que é a fase que repercutirá nos autos do processo. Bolsonaro fez a opção pelo silêncio na PF, mas adotou uma estratégia que pode complicar ainda mais sua situação diante das evidências cada vez mais fortes sobre seu papel central como responsável pela aventura antidemocrática.

Sua retórica não deixa dúvidas que quer levantar os extremistas de direita em sua defesa e contra as instituições: “Nesse evento, eu quero me defender de todas as acusações que têm sido imputadas à minha pessoa nos últimos meses”. Ele deveria fazer isso no inquérito. Seu alvo, lógico, é o ministro Alexandre de Moraes, cuja prisão constava do decreto golpista que Bolsonaro chegou a ajustar para tentar convencer os generais do Alto-Comando do Exército a aderirem.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, foi no ponto, questionando a legitimidade e legalidade da iniciativa. “O ato é contra a Constituição. O Brasil superou há pouco uma tentativa de golpe e sabemos do risco que ainda corremos. Não podemos flertar com o perigo.”

Partidos políticos de esquerda ingressaram com reclamação no Ministério Público de São Paulo alegando que uma manifestação para defender golpistas afronta o Estado de Direito, caracteriza financiamento irregular de campanha em favor de partidos e pré-candidatos e, fora do calendário, representa propaganda eleitoral antecipada.

A PF convocou 23 investigados dia 22, incluindo os generais Augusto Heleno, Braga Netto e Paulo Sérgio Nogueira e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto

Bolsonaro prepara a própria morte política
Augusto Heleno (Crédito:Evaristo Sa)
Bolsonaro prepara a própria morte política
Braga Netto (Crédito:Maxim Shemetov)
Bolsonaro prepara a própria morte política
Paulo Sérgio (Crédito:Evaristo Sa)
Bolsonaro prepara a própria morte política
Valdemar Costa Neto (Crédito:Evaristo Sa)

Novas delações

O que Bolsonaro busca é uma narrativa que o coloque como vítima de uma perseguição política que não existe e, ao mesmo tempo, evite a corrosão em suas bases de apoio popular, iniciada depois da operação da PF que mostrou ao País que o então presidente tramava um golpe de Estado com apoio de generais palacianos e oficiais das Forças Especiais do Exército, três deles presos.

Bolsonaro tentou um recurso para não prestar o depoimento à PF, negado pelo ministro Alexandre de Moraes, para evitar o constrangimento de se encontrar com oficiais que ele estimulou a participar da trama, mas depois recuou, abandonando apoiadores que esperavam que ele, como prometera, liderasse o golpe.

O próprio ministro observa que a fase policial permite ao acusado uma defesa de suas posições, sem que seja necessário se autoincriminar: “Tenho ressaltado que a amplitude do interrogatório como meio de defesa engloba não só o direito ao silêncio, mas também o direito de falar no momento adequado”.

O ex-presidente teme que os coronéis Eduardo Romão Corrêa Neto e Marcelo Câmara e o major Rafael Martins de Oliveira, três ex-Kids Pretos presos, todos eles ligados a Mauro Cid, possam tentar um acordo de delação com a PF. Seria para Bolsonaro o pior dos mundos.

Câmara, por exemplo, era um assessor de confiança do ex-presidente e, tanto quanto Cid, participou do dia a dia das atividades palacianas nos dois meses seguintes à eleição.

Na avaliação da PF, da reunião de 5 de julho de 2021 até a elaboração de uma minuta do decreto golpista apreendida na casa do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, incluindo a viagem precipitada para fora do País, em 30 de dezembro, já há indícios fortes de que Bolsonaro articulou a ruptura, desenhando um roteiro que, no final, por circunstâncias alheias à sua vontade, acabou não dando certo.

Nos depoimentos prestados até agora, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid afirma que seguiu as ordens do presidente. Novas revelações podem sair das oitivas ocorridas na tarde de quinta-feira, 22, no âmbito da Operação Tempus Veritatis, todas marcados no mesmo horário (para evitar que os investigados combinassem versões) em Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo e Ceará. Ao todo 23 nomes seriam ouvidos, incluindo os generais Augusto Heleno, Braga Netto e Paulo Sérgio Nogueira e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto.

O ministro Alexandre de Moraes permitiu acesso às peças do inquérito, menos, é claro, de investigações que correm sob sigilo e a íntegra da delação de Cid, que vem revelando passo a passo a dinâmica dos preparativos para o golpe sobre os quais teve participação decisiva, especialmente na coordenação da tropa de elite do Exército, os Kids Pretos, irresponsavelmente arrastados para a aventura.

“Ressalte-se que aos advogados regularmente constituídos de Jair Messias Bolsonaro foi deferido acesso integral aos elementos de prova já documentados nos autos, ressalvados o acesso às diligências em andamento e os elementos constantes na colaboração premiada de Mauro Cid”, escreveu Moraes no despacho em que nega o recurso para adiar o depoimento.

Ele explicou que Bolsonaro poderia ficar em silêncio, “mas não lhe compete”, como queria Bolsonaro, escolher data, horário e local sobre interrogatório, na quinta, 22.

Bolsonaro prepara a própria morte política
(Gabriel Silva)

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, disse que compareceria ao ato do dia 25

Policiais e procuradores que participam das investigações avaliam que, por sua natureza explosiva e emocionalmente desequilibrada, Bolsonaro “está cavando a própria cova” ao optar pela retórica política num momento em que está impedido de manter contato com outros investigados e de deixar o País.

Ele foi alertado pela defesa que o inquérito correrá rapidamente e poderá estar pronto para julgamento até o meio do ano, já que uma sentença será definitiva por tratar-se de uma decisão da última instância do Judiciário.

Depois da PF o inquérito só passará pelo MPF, que tem a prerrogativa de apresentar a denúncia. O ato convocado para se defender do que chama de perseguição tem o objetivo de vitimizá-lo e é em si um desrespeito premeditado ao Judiciário.

Mas o ex-presidente acha que a retórica de que é um perseguido político produzirá o efeito desejado junto a seus apoiadores. “Bolsonaro é incontrolável e imprevisível. Diante de uma multidão, em cima de um carro de som e cercado por apoiadores, é bem provável que se empolgue e ataque o STF. Se fizer isso pode estar estimulando obstrução de justiça e aí sim corre o risco de acelerar a decretação de uma prisão preventiva”, disse à ISTOÉ uma fonte do MPF.

Bolsonaro prepara a própria morte política
O pastor Silas Malafaia foi o maior incentivador da manifestação na avenida Paulista (Crédito:Mauro Pimentel)

Líderes evangélicos

A intenção do ex-presidente é politizar o caso, promovendo no domingo uma megamanifestação com a presença de deputados, senadores e líderes evangélicos como o pastor Silas Malafaia que, depois de anunciar que sua igreja bancaria as despesas, recuou e garantiu que usará recursos próprios.

Até agora o apoiador de maior peso a confirmar presença foi o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que espera uma um ato tranquilo e pacífico de apoio a Bolsonaro. “Estarei ao lado do presidente Bolsonaro como sempre estive”, disse o governador. Os organizadores do ato estimam que cerca de 70 deputados e dez senadores estarão no palanque ao lado do ex-presidente.