Bolsonaro pode ou não dar entrevistas? Entenda a decisão de Moraes

Jair Bolsonaro
O ex-presidente Jair Bolsonaro é alvo de medidas cautelares impostas pelo STF Foto: REUTERS/Mateus Bonomi

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes esclareceu em decisão publicada nesta quinta-feira, 24, que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) não está proibido de conceder entrevistas ou realizar discursos públicos e privados, desde que estes não sejam utilizados como “material pré-fabricado” para postagens em redes sociais, dele ou de terceiros “previamente coordenados” — o que configuraria descumprimento da medida cautelar de proibição de acesso às plataformas digitais.

Moraes destacou que Bolsonaro instrumentalizou as redes sociais “a partir de diversas postagens coordenadas entre os investigados e seus apoiadores políticos” com o intuito de instigar um “chefe de Estado estrangeiro” — referindo-se ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump — a adotar medidas para interferir na Justiça brasileira, resultando em pressão social sob as autoridades nacionais.

De acordo com o ministro, as condutas atribuídas ao ex-presidente Jair Bolsonaro podem configurar os crimes de coação no curso do processo (art. 344 do Código Penal), obstrução de investigação de infração penal envolvendo organização criminosa (art. 2º, § 1º, da Lei 12.850/13) e atentado à soberania nacional (art. 359-I do Código Penal).

Tendo em vista a interrupção dos atos ilícitos, foram aplicadas as medidas cautelares, dentre elas a proibição de acesso às redes sociais, direta ou indiretamente por terceiros.

O descumprimento

No dia 21 de julho, o ex-presidente fez uma visita à Câmara dos Deputados, discursou e mostrou a tornozeleira eletrônica  “Não roubei os cofres públicos, não desviei recurso público, não matei ninguém, não trafiquei ninguém. Isso aqui é um símbolo da máxima humilhação em nosso país. Uma pessoa inocente. Covardia o que estão fazendo com um ex-presidente da República. Nós vamos enfrentar a tudo e a todos. O que vale para mim é a lei de Deus”, declarou.

Os registros foram rapidamente divulgados nas redes sociais, o que motivou o pedido de esclarecimento de Moraes sobre um possível descumprimento de uma das medidas cautelares.

Os advogados alegaram que Bolsonaro não descumpriu as ordens, já que não fez postagens em plataformas ou pediu a terceiros. Novos esclarecimentos em relação à decisão de Moraes também foram solicitados pela defesa.

No despacho, Moraes ressaltou que o ex-presidente não está proibido de falar com a imprensa ou fazer discursos públicos e privados, mas “não será admitida a utilização de subterfúgios para a manutenção da prática de atividades criminosas, com a instrumentalização de entrevistas ou discursos públicos como ‘material pré-fabricado’ para posterior postagens nas redes sociais de terceiros previamente coordenados”.

“Não há dúvidas, e as inúmeras condenações criminais proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em relação à tentativa de golpe de Estado no dia 8/1/2023 confirmam que a instrumentalização das redes sociais, por meio da atuação de verdadeiras ‘milícias digitais’, transformou-se em um dos mais graves e perigosos instrumentos de corrosão da Democracia”, completou.

O ministro ainda destacou que é vedada a continuação do mesmo modus operandi “com a finalidade de continuar a induzir e instigar chefe de Estado estrangeiro a tomar medidas para interferir ilicitamente no regular curso do processo judicial, de modo a resultar em pressão social em face das autoridades brasileiras, com flagrante atentado à soberania nacional”.

A restrição foi questionada por advogados ouvidos pela IstoÉ, que apontaram impossibilidade de responsabilizar o político pela maneira como terceiros reproduzem suas falas nas plataformas digitais.

Moraes descarta prisão preventiva

Moraes não determinou a prisão do ex-presidente, ao contrário da pena prevista pela conduta, “por se tratar de uma irregularidade isolada, sem notícia de outros descumprimentos até o momento”, e pelo argumento da defesa de Bolsonaro de que não houve intenção de desobediência judicial.

No despacho desta quinta-feira, 24, o magistrado destacou que Bolsonaro não está proibido de conceder entrevistas ou realizar discursos públicos.

Por que Moraes impôs medidas cautelares

Em 10 de julho, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou taxas de 50% sobre todas as exportações brasileiras ao país e mencionou Bolsonaro na carta, ao dizer que o aliado é vítima de “caça às bruxas” do Judiciário.

A medida foi celebrada pelo deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que está nos EUA desde março para articular reações internacionais ao Supremo e evitar que o ex-presidente, réu na corte por suposta tentativa de golpe de Estado, seja punido.

Sob o argumento de que pai e filho trabalharam pelas taxas e atentaram contra a soberania brasileira, Moraes ordenou na sexta-feira uma operação da Polícia Federal contra o ex-presidente e aplicou medidas cautelares, que são punições alternativas à prisão preventiva, empregadas para a conclusão de uma investigação.

Policiais apreenderam US$ 14 mil e R$ 8 mil em sua casa e colocaram uma tornozeleira eletrônica nele. Bolsonaro ainda ficou proibido de acessar as redes sociais, circular livremente entre 19h e 7h, frequentar embaixadas e conversar com embaixadores, diplomatas estrangeiros e outros investigados pela corte, como o próprio Eduardo.

As cautelares foram endossadas por outros três ministros da Primeira Turma do STF. A única divergência foi apresentada por Luiz Fux, que considerou não haver novas provas de que Bolsonaro planejava fugir e que parte das restrições “confronta-se com a cláusula pétrea da liberdade de expressão”.

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