Bolsonaro passa por audiência de custódia: o que vem depois?

Bolsonaro passa por audiência de custódia: o que vem depois?

"JustiçaEx-presidente alegou ter tido "paranoia" de que tornozeleira eletrônica continha escuta. Prisão foi mantida e 1ª Turma do STF julgará liminar.O ex-presidente Jair Bolsonaro, preso preventivamente no sábado pela Polícia Federal por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), passou neste domingo (23/11) por uma audiência de custódia.

Trata-se de uma etapa obrigatória para todas as pessoas que são presas e devem se apresentar até 24 horas após a prisão a um juiz. O procedimento serve para verificar se houve irregularidades no momento da prisão e checar a integridade física e psicológica da pessoa presa, e não serve para discutir o mérito da ação.

Bolsonaro está preso na Superintendência da Polícia Federal, em Brasília, e passou a noite em uma Sala de Estado, reservada para autoridades. A audiência de custódia foi conduzida por videoconferência por um juiz auxiliar do gabinete de Moraes.

Após o procedimento, a prisão foi mantida. Na audiência Bolsonaro foi indagado sobre a tentativa confessa de violar sua tornozeleira eletrônica, o que ajudou a justificar a prisão preventiva. Em resposta, disse que teve um "surto" e uma "certa paranoia" em razão da interação inadequada entre medicamentos.

"O depoente afirmou que estava com 'alucinação' de que tinha alguma escuta na tornozeleira, tentando então abrir a tampa. O depoente afirmou que não se lembra de surto dessa natureza em outra ocasião", diz o relatório da Justiça.

Em um vídeo gravado pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape), Bolsonaro admite ter aplicado "ferro de solda" no equipamento na noite do dia 21. Sua prisão foi decretada na madrugada do dia seguinte.

"O depoente afirmou que não tinha qualquer intenção de fuga e que não houve rompimento da cinta", completa a ata. Bolsonaro também alegou que tem o "sono picado" e que operou o ferro sozinho.

Primeira Turma julgará decisão

A decisão de Moraes, relator do caso, ainda será julgada pela Primeira Turma do STF, que marcou uma sessão virtual extraordinária para esta segunda-feira, das 8h às 20h.

Ao ordenar sua condução à sede da PF, Moraes citou a proximidade do "trânsito em julgado" da ação penal que condenou Bolsonaro a 27 anos e três meses de prisão por crimes contra a democracia.

Contudo, o colegiado deverá decidir exclusivamente se mantém ou não a prisão preventiva de Bolsonaro. O julgamento da trama golpista corre em paralelo.

O ex-presidente cumpria prisão domiciliar desde 4 de agosto por descumprimento de medidas cautelares impostas no âmbito do inquérito que o investigava por suposta tentativa de obstruir a Justiça ao instar o governo americano a interferir em seu processo penal.

Ao mudar o status da prisão domiciliar à preventiva neste sábado, Moraes citou risco de fuga de Bolsonaro e comprovada tentativa de violação de sua tornozeleira eletrônica. O magistrado também entendeu que uma vigília convocada pelo senador Flávio Bolsonaro próxima ao condomínio do ex-presidente poderia atrapalhar eventual ação da PF.

Se a Primeira Turma aprovar a liminar de Moraes, como vem acontecendo nos processos relacionados à trama golpista, Bolsonaro permanecerá detido na Superintendência da Polícia Federal.

A defesa pode apresentar um novo recurso contra a liminar, que será analisado pelo relator. Os advogados de Bolsonaro já indicaram que discordam dos motivos apresentados por Moraes para a prisão.

Contudo, a proximidade do fim do prazo recursal no julgamento principal que condenou Bolsonaro por crimes contra a democracia deve dificultar que uma decisão sobre sua prisão preventiva seja tomada em tempo.

Além disso, juristas concordam que o fato de o ex-presidente ter admitido que violou sua tornozeleira eletrônica fará com que Moraes e a Primeira Turma rejeitem recursos e mantenham a liminar.

Isso deve fazer com que Bolsonaro permaneça na PF até que o trânsito em julgado de sua pena seja concluído.

Visitas e médico em tempo integral

Bolsonaro está detido em uma Sala de Estado – um quarto com ar-condicionado, cama, frigobar, televisão e banheiro privado. Ele já recebeu visitas de seus advogados e médicos particulares.

A defesa do ex-presidente apontou neste sábado que o regime fechado pode ser prejudicial à sua saúde, e listou 10 problemas de saúde que Bolsonaro enfrenta desde a facada sofrida em 2018. Segundo os advogados, a detenção na PF gera "risco de vida" para o réu.

Em resposta, Moraes determinou a presença de um médico de plantão em tempo integral na sede da PF para atender Bolsonaro em caso de necessidade.

O magistrado também autorizou a visita da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro na PF, que acontece após a audiência de custódia. Ele também indicou que permitirá que os filhos do ex-presidente o visitem, mas pediu que a defesa detalhe os nomes para registro na corporação.

O que acontece após o fim "trânsito em julgado" da trama golpista

Para além da tentativa de reverter a prisão domiciliar, a defesa do ex-presidente tem até o dia 25 de novembro para apresentar novos embargos de declaração sobre a pena de 27 anos e 3 meses imposta contra ele por crimes contra a democracia.

Tais embargos, porém, servem para corrigir omissões na decisão e raramente mudam a condenação. Se recusados os últimos recursos, o processo será tomado como "trânsito em julgado" e Moraes então poderá exigir que a pena de Bolsonaro seja executada.

No sábado, o ministro já havia rejeitado um pedido anterior da defesa para que o ex-presidente cumpra a totalidade de sua pena em prisão domiciliar. O relator entendeu que o pedido ficou "prejudicado", ou seja, sem valor, em virtude de sua liminar anterior que o conduziu à PF.

Local da prisão em aberto

Uma vez que o início do cumprimento da pena seja de fato determinado, Moraes deverá também decidir sobre o local em que Bolsonaro será preso.

Em qualquer cenário, por lei, o início de sua pena deve ocorrer em regime fechado, uma vez que a condenação ultrapassa oito anos de prisão.

A Sala de Estado em que está atualmente detido na Superintendência da PF em Brasília é apenas um dos possíveis locais em que a pena pode começar a ser cumprida. Ela é vista como uma alternativa isonômica à imposta ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que também ficou detido em uma sala dentro da sede da corporação em Curitiba entre 2018 e 2019.

Outra possibilidade aventada é a de o ex-presidente ser conduzido ao 19º Batalhão da Polícia Militar do Distrito Federal, localizado dentro do Complexo Penitenciário da Papuda.

Para a defesa de Bolsonaro, as duas opções colocam a vida do ex-presidente em risco. Eles citam "graves consequências" à sua saúde, diante de um quadro diário de soluço gastroesofágico, falta de ar e uso de medicamentos com ação no sistema nervoso central.

Justiça militar julgará perda de patente

Há também a possibilidade de Bolsonaro ser levado a um quartel militar, uma vez que ele é capitão reformado do Exército e tem esta prerrogativa.

O comandante do Exército, general Tomás Paiva, disponibilizou unidades das Forças Armadas para a execução da pena. Entre os locais possíveis estão o Comando Militar do Planalto e o Batalhão da Guarda Presidencial.

A alternativa, porém, é vista com temor devido ao risco de atrair apoiadores à porta de um quartel do Exército, revivendo os acampamentos que culminaram na invasão da Praça dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023.

Além disso, após o fim do trânsito em julgado da Justiça comum, o caso de Bolsonaro será também analisado pela Justiça Militar, que pode cassar sua patente e, consequentemente, suas prerrogativas.

gq/sf (OTS)