Jair Bolsonaro está sempre à procura de caminhos alternativos para impor sua vontade contra os outros poderes. Faz isso mesmo quando fala em nome do “jogo democrático”. Foi assim na sua live de ontem à noite.

O assunto era a lei anti-fake news que passou pelo Senado e agora vai ser apreciada pela Câmara dos Deputados. Disse ele: “Com todo o respeito que eu tenho ao parlamento, é o jogo democrático, se for aprovado na Câmara, chegando pra mim o projeto eu vou fazer uma consulta popular para ver o que deve ser vetado ou não.”

O que exatamente Bolsonaro pretende com essa consulta popular? Qual seria o seu formato? Difícil dizer.

O presidente não precisa ouvir ninguém, exceto sua assessoria jurídica, para vetar dispositivos legais. Faz parte dos seus poderes, e acontece o tempo todo.

Nesta semana, por exemplo, Bolsonaro vetou trechos de uma nova lei que torna obrigatório o uso de máscaras em diversas situações, para reduzir o contágio pelo coronavírus. Não lhe ocorreu perguntar à população o que achava dessa medida.

Mas não é bom ouvir o povo?

Existe uma situação em que as leis brasileiras são submetidas ao crivo da população. É o referendo, previsto em nosso ordenamento jurídico.

Acontece que não cabe ao presidente da República convocar referendos. Eles devem ser propostos pela Câmara ou pelo Senado, com o voto de pelo menos um terço dos parlamentares da casa que faz a proposta.

Conclui-se que Bolsonaro não está falando de uma consulta formal a todos os eleitores.

Seria o que, então?  Uma pesquisa de opinião, ou talvez uma enquetezinha conduzida pelos marqueteiros do governo?

Isso tem outro nome: manipulação política; enganação.

A ideia de fazer uma consulta popular depois da aprovação de uma lei é o contrário de ter “respeito pelo Legislativo”. É uma forma de chantagem contra os parlamentares.

Deslegitima-se a decisão final do Congresso antes mesmo de ela ser tomada, pois é como se o presidente dissesse: ao contrário de vocês, eu decido com o povo.

Não há dúvida que Bolsonaro seja um populista.

Até agora, contudo, seu populismo era daquele tipo em que o sujeito se apresenta como encarnação do país “verdadeiro”, lutando contra os inimigos do povo.

É uma novidade digna de nota no bolsonarismo a intenção de estabelecer uma linha direta com a população para tomar decisões comezinhas.

Desde a prisão de Fabricio Queiroz, o presidente andava um pouco retraído, macambúzio. Parece que quer se assanhar de novo.

Veremos se vai insistir nesse plano da democracia plebiscitária. Não será surpresa se o fizer. O bolsonarismo é um chavismo mambembe, com a polaridade trocada.