Na semana passada, Jair Bolsonaro fez ataques suicidas em dois campos de batalha diferentes, o Supremo e o Senado.

Para o STF, ele mandou uma ação questionando a legalidade do inquérito das fake news. O advogado geral da União, que assina a petição com ele, deve ter lhe avisado que o assunto já foi discutido pelo plenário do tribunal. Venceu a tese contrária à de Bolsonaro, o que significa que suas chances de prevalecer são nulas.

Para o Senado, ele enviou um pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes. Ainda que o presidente da casa, o senador Rodrigo Pacheco, decidisse dar andamento ao processo, o que não vai acontecer, ele seria enterrado no plenário, por duas razões: os bolsonaristas estão em minoria e a argumentação jurídica é escabrosa, pois tenta criminalizar decisões tomadas por Moraes nos autos de um processo. É possível recorrer da decisão de um juiz, mas não tratá-la como crime – caso contrário, babau para o sistema judiciário.

Há duas explicações possíveis para esse comportamento.

A primeira é que Bolsonaro virou definitivamente um kamikaze. Quer botar fogo no mundo e morrer nas chamas. Um psiquiatra tem mais condições de explorar essa hipótese.

A segunda é que ele enxerga algum benefício em isolar mais ainda sua presidência dos demais Poderes. Dá para encontrar alguma lógica aí – mas é a lógica de um desesperado.

Não vou gastar muita tinta hoje com o STF. A deterioração das relações vem de longe. Mais curioso é o fato de Bolsonaro ter arrastado Rodrigo Pacheco para o campo de batalha, forçando-o a se posicionar diante do pedido de impeachment contra Moraes.

O presidente tem motivos para se sentir traído por Pacheco. Assim como Arthur Lira na Câmara, Pacheco foi alçado ao seu cargo atual com o apoio de Bolsonaro. Nos últimos meses, contudo, foi mordido pela mosca azul (leia-se Gilberto Kassab) e começou a imaginar que tem envergadura para uma candidatura ao Planalto.

Com aquele seu jeitinho sonso, ele não tem perdido oportunidades de se distanciar do bolsonarismo. Manifestou-se de forma contundente, muito mais rápido que Arthur Lira, quando Bolsonaro sugeriu que as eleições de 2022 poderiam não acontecer. Depois, disse que não pensava em pautar a PEC do voto impresso para votação no Senado, mesmo que ela passasse pela Câmara.

Uma ordem do Supremo forçou Pacheco a instaurar a CPI da Covid. Mas, sendo Bolsonaro quem é, ele deve pôr também esse incômodo na conta do senador. Fosse ele um camarada fiel, teria ao menos tentado dar uma pernacchia ao tribunal.

Quando ficar claro que a petição de impeachment assinada pelo próprio presidente da República não vai andar, Pacheco vai ser exposto como mais um dos canalhas que não querem permitir que Bolsonaro transforme o Brasil no melhor e mais justo país do mundo por meio de um golpe militar. Aliás, que ninguém se surpreenda se já no dia 7 de setembro houver cartaz anti-Pacheco nas passeatas bolsonaristas.

Politicamente, é uma burrada.

As chances de Pacheco desalojar Bolsonaro de sua posição nas eleições do ano que vem são escassas. Ele é meiguinho demais para o gosto rude dos bolsonaristas. Ao mesmo tempo, por ter se enrabichado com o presidente em sua campanha para comandar o Senado, carrega um bodum governista repulsivo para muita gente. Ele não será o candidato da direita, nem é uma alternativa entusiasmante ao centro.

Não sendo Pacheco uma ameaça eleitoral para ser levada a sério, Bolsonaro deveria engolir em seco a traição do senador e tentar cultivá-lo, para que ao menos o ajudasse a conduzir alguma pauta que melhore o quadro da economia até o ano que vem.

A situação piora a cada dia. Há mais desempregados do que em 2018. A inflação está comendo a renda de quem trabalha. Os donos do dinheiro grosso já não confiam na gestão fiscal.

Por absoluta incompetência, Bolsonaro e Paulo Guedes não têm a menor condição de liderar qualquer iniciativa que possa clarear o horizonte. Eles precisam de aliados poderosos na Câmara e no Senado. E ainda assim o presidente põe Pacheco contra a parede.

Esse é o comportamento de quem já não procura nenhuma solução institucional ou política para suas dificuldades. De quem sabe que crescem a cada dia as chances de os brasileiros execrarem, nas eleições do ano que vem, um governo que falhou na pandemia e na economia. E que por isso se isola em busca de soluções heterodoxas: o sonhado golpe ou, na pior das hipóteses, uma derrota que ele possa atribuir a alguma coisa parecida com as “forças ocultas” de que falou Jânio Quadros, para justificar sua renúncia em 1961.

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PS: Na Câmara dos Deputados, Arthur Lira continua fiel a Bolsonaro. Não apenas porque mantém trancados os pedidos de impeachment que só ele pode encaminhar, mas porque ainda se esforça para votar projetos que, em tese, dariam fôlego ao governo. Ele está fazendo corpo a corpo com os deputados para que eles aprovem, nesta semana,  mudanças no Imposto de Renda e na distribuição de dividendos das empresas. As propostas vêm sendo atacadas por todos os lados, com razão. Elas não simplificam o sistema tributário, não o tornam mais progressivo, não incentivam a formalização na economia nem direcionam mais recursos para o setor produtivo. Isso acontece porque a minirreforma não está preocupada com a racionalidade tributária, mas sim em garantir recursos para que Bolsonaro possa lançar um programa eleitoreiro – o seu substituto ao Bolsa Família. O governo é tão ruim que não existe nem mesmo certeza do que vai acontecer com a arrecadação depois das mudanças. Mas Lira está convencido de que vai sobrar um dinheiro e tem dito isto nos bastidores do Congresso: sem mexida nos impostos, não haverá programa social. E eu completo que sem programa social as chances de reeleição de Bolsonaro são ainda mais exíguas. Tanto o Bolsa Família quanto a questão tributária são importantes demais para que sejam tratados dessa forma interesseira e casuística. É uma mudança nos impostos que não pode passar.