Bolsonaro, o bonecão de posto

Reprodução/YouTube (FolhaPE)
Boneco de Jair Bolsonaro foi representado em Olinda, em Pernambuco Foto: Reprodução/YouTube (FolhaPE)

A cada aumento dos combustíveis, os caminhoneiros ameaçam fazer greve. A cada ameaça de greve, Bolsonaro treme todo, como um daqueles bonecões de posto de estrada. Ele se faz de coitadinho: “A culpa não é minha!” Ele apresenta soluções paliativas. Só não faz o que seria necessário para resolver o problema de uma vez.

Bolsonaro tem razão em ficar apavorado. Ele sabe o efeito que a greve dos caminhoneiros em 2018, apoiada por ele, teve sobre o país. Uma paralisação agora, somada à pandemia, somada à economia fraca, somada à tensão política, seria devastadora. Poderia ser o começo do fim do seu governo.

Bolsonaro, vejam só, também tem razão em dizer que a culpa pela gasolina e pelo diesel caros não pode ser atribuída exclusivamente a ele. Petróleo é commodity, e responde às oscilações internacionais de preço. Além disso, a carga tributária que incide sobre os combustíveis não é somente federal. O ICMS dos Estados pressiona bastante o preço nas bombas.

Patética é a maneira como o presidente tenta empurrar o ônus político dessa confusão para os governadores. Desafiar estados endividados a abrir mão de receita tributária chega a ser deslealdade.

Patético é achar que a questão dos impostos que incidem sobre os combustíveis pode ser resolvida de maneira isolada. Melhor dizendo, isso é vender ilusões.

O governo havia prometido enviar ao Congresso até esta sexta-feira um projeto para alterar a cobrança de ICMS sobre gasolina e diesel. O dia está acabando, e nada. Será que depois do carnaval? Eu não apostaria nem sequer uma noite sem máscara num bloco de foliões bolsonarista nessa hipótese. Duvido que um projeto desse tipo consiga escapar um dia das consultorias jurídica e econômica do governo.

As ideias expostas por Bolsonaro para ideia mexer no ICMS e baratear o custo de encher o tanque do carro são requentadas. Circularam em 2018 e não deram em nada.

Também naquele momento se cogitou unificar a alíquota do imposto, que hoje varia de Estado para Estado, e fazer a cobrança com base no volume de combustível vendido nas refinarias para cada unidade da federação.

Parece simples, mas como acontece em qualquer mudança tributária, o diabo está nos detalhes. E existindo algum risco de perda de arrecadação – lembremos que a grana gerada pelos combustíveis não é pouca -, nenhum Estado vai entrar alegremente na jogada. Não é por cobiça. É porque alguns já estão com o pires na mão. E porque a lei exige que renúncias tributárias sejam compensadas com outras receitas (leia-se: provável aumento de outros impostos), sob pena de responsabilização do governador caso isso não aconteça.

Não adianta mirar só nos combustíveis. A solução verdadeira é a reforma tributária ampla.

Ninguém está dizendo que é fácil aprovar essa pauta. Em 2019, pareceu que um Imposto de Valor Agregado (IVA), unificando diversos tributos, finalmente seria criado. Mas a negociação emperrou, como em tantas outras ocasiões. Se mexer em um item do arranjo já é complicado, mexer em inúmeros eleva a complicação à enésima potência. Ninguém quer sobrar com a conta no final.

Ainda assim, todo mundo quer a reforma, porque sabe que ela seria um poderoso tônico para a economia brasileira.

Ajudaria muito se o governo tomasse a dianteira nessa discussão. Se entrasse no jogo para valer, mandando um projeto para o Congresso, ou abraçando um dos já existentes, em vez de ficar repentido que a reforma é uma coisa importantíssima, como se fosse novidade. Com perdão do cinismo, se todo aquele dinheiro que Bolsonaro usou para comprar o Centrão tivesse como contrapartida uma reforma tributária, em vez de leis sobre armas e “homeschooling”, eu talvez até fingisse que não vi nada estranho acontecer.

Mas Bolsonaro só se compromete com as pautas mesquinhas de sua base ideológica. Nos assuntos difíceis, que dizem respeito a todo o país (pode escolher: Fundeb, reforma administrativa, vacinas e assim por diante), ele se omite na melhor das hipóteses, e na pior cria confusão.

Não haverá minirreforma tributária para os combustíveis, ainda mais quando se quer impô-la para mostrar que “a culpa é dos governadores”. Como uma reforma ampla exige comando e coragem, também ela está difícil de acontecer.

Em vez disso, veremos Bolsonaro requebrando à beira da estrada, como um bonecão de posto, cada vez que o combustível aumentar.

PS: Bolsonaro mandou o projeto do ICMS. Então vou morder a língua, mas não vou pular carnaval com nenhum bolsonarista suado e sem máscara. Fora isso, não mudo nada do que escrevi. O projeto é requentado mesmo, até o controle da cobrança pelo Confaz, o conselho dos secretários da Fazenda estaduais, já circulou em 2018.