Quando se refugiou na cidade de Kissimmee, perto de Orlando, nos Estados Unidos, no final do ano passado, Bolsonaro desejava apenas não passar a faixa presidencial para Lula e ficar por lá um mês, homiziado na casa do ex-lutador de MMA José Aldo, num condomínio de luxo. A ideia dele era voltar no final de janeiro, ao lado da mulher Michelle, para retomar sua carreira política em uma sala que lhe teria sido reservada pelo PL, em Brasília, com todas as despesas pagas e salário milionário. Mas deu tudo errado. Sua situação jurídica se agravou após ter incitado os atos terroristas de 8 de janeiro, e a ameaça de ter a prisão decretada é real. Desconfia que, ao colocar os pés no País, seja levado para a cadeia, como aconteceu com seu ex-ministro Anderson Torres. Além disso, o PL, com os recursos bloqueados por causa de seus ataques ao resultado das urnas, está sem dinheiro para pagar as mordomias do capitão. Assim, ele tem dito aos correligionários que não quer voltar tão cedo. Quem deve chegar ao País nos próximos dias é a ex-primeira-dama.

O problema é que Bolsonaro, com o visto vencido, precisa deixar os EUA e corre o risco até de ser deportado caso não regularize imediatamente sua situação migratória. O presidente Joe Biden já mostrou que não moverá uma pena para impedir que o ex-presidente brasileiro seja escorraçado de lá. O então presidente foi para Orlando no dia 30 de dezembro com passaporte diplomático usado por chefes de Estado, voando num avião da Força Aérea Brasileira (FAB). O documento, no entanto, perdeu a validade quando Bolsonaro deixou de ser presidente, no dia 1º de janeiro. “Se alguém entra nos EUA com um visto diplomático, mas não está mais em missão oficial representando seu governo, essa pessoa deve deixar o território americano ou pedir a mudança de status de migrante em até 30 dias”, disse o porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Ned Price, no início do mês, destacando ainda a possibilidade de “remoção” para quem está irregular em solo naquele país. A professora de Direito Internacional Carolina Claro, do Instituto de Relações Internacionais da UnB, vê um recado direto ao brasileiro. “Caso o ex-presidente não consiga a regularização migratória, ele fica sujeito à deportação, que é a retirada compulsória do território dos EUA”, explica. Fontes do Itamaraty confirmam a possibilidade jurídica de que Bolsonaro tenha sua permanência negada nos EUA, já que o governo Biden tem sido pressionado contra a presença do ex-presidente em solo americano.

“Bolsonaro se transformou num pária. Nem mesmo a Hungria o abrigaria em seu território.
A preocupação é que ele incite um golpe de Estado no Brasil, algo que não é bem-visto nem pelos políticos de extrema-direita europeus” Carolina Claro, professora do Instituto de Relações Internacionais da UnB

INTERNACIONAL De férias nos EUA, o vereador Carlos Bolsonaro segue insuflando os bolsonaristas. No Twitter, fala em nome do pai e ataca a mudança no comando do Exército: disse ter “vergonha” do atual alto escalão das Forças Armadas (Crédito:MAURO PIMENTEL)

“Bolsonaro se transformou em um pária internacional”, avalia Carolina. Ela explica que, legalmente, não há a possibilidade de que o ex-presidente se refugie ou receba asilo em outro país, já que ele está sendo processado no Brasil por crimes comuns e não é um perseguido político. E se o governo americano “já deixou claro que não protegerá Bolsonaro sob nenhuma circunstância”, a professora destaca que o ex-presidente também não deve contar com a boa vontade de outros países caso queira tentar evitar a Justiça do Brasil. A Itália, país de origem da família Bolsonaro, sob o comando da primeira-ministra ultradireitista Giorgia Meloni, também já sinalizou que não vai dar guarida ao brasileiro. E nem mesmo a Hungria, do líder de extrema-direita Viktor Orbán, bancaria o ex-presidente em seu território. “O ex-presidente não tem o capital político que acha que tem”, diz Carolina. “Ele é uma pessoa irrelevante no cenário político internacional, e a maior preocupação que se tem é que ele incite um golpe de Estado no Brasil, algo que não é bem-visto nem pelos políticos de extrema-direita europeus”, explica.

Na verdade, ele está isolado. Em Orlando, ele não tem se reunido com nenhum político importante e nem teve encontro com o ex-presidente Donald Trump, embora sua residência em Mar-a-Lago fique a menos de três horas de carro de onde o brasileiro está. Ele só tem se encontrado com os filhos, sobretudo o vereador Carlos, que também está nos EUA, de onde dispara tuítes em nome do pai, inclusive atacando as Forças Armadas que, segundo ele, teriam sido cooptadas por Lula.

Se o processo de deportação se concretizar, Bolsonaro já tem um álibi sendo ensaiado para voltar ao Brasil: como um sujeito fragilizado, doente e com problemas intestinais ainda decorrentes da facada que levou na campanha de 2018. Seu médico, o cirurgião Antônio Luiz Macedo, disse que o ex-presidente precisa retornar ao Brasil, possivelmente em fevereiro, para se submeter a uma nova cirurgia no intestino. Não é a primeira vez que episódios que envolvem a saúde do ex-presidente coincidem com seus momentos de crise política e baixa popularidade. Sua última internação ocorreu no dia 9 — um dia depois dos ataques terroristas em Brasília. Incluído na investigação do episódio pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro teria cometido “incitação pública” à prática dos crimes contra as instituições, sustenta a Procuradoria-Geral da República (PGR). E a situação só piora, diante da tragédia dos yanomamis, pois o capitão reformado passou a ser acusado também de crimes contra a humanidade e genocídio. Seu futuro é mesmo voltar e pagar pelos crimes que cometeu.