Quando o presidente Jair Bolsonaro (PSL) disse, em sua posse, no dia 1º de janeiro, que aquele instante era o marco em que o povo começava “a se libertar do socialismo, da inversão de valores, do gigantismo estatal e do politicamente correto”, imaginou-se que seria apenas um recado para os seus eleitores inflamados, que aguardaram, desde as primeiras horas da manhã, por aquele momento histórico.

Uma semana depois, porém, o novo presidente não abandonou o tom cáustico que dividiu o Brasil e deveria já estar superado, uma vez que, respeitado o resultado democrático, Bolsonaro agora governa para todos os brasileiros. No fim de semana, o presidente postou fotos em que aparecia ao lado de seu filho Carlos Bolsonaro praticando o seu esporte preferido: deblaterar nas redes sociais. Ao longo da semana, permaneceu na mesma toada. Criticou um contrato de locação de veículos pelo Ibama, reparo público que depois se revelou equivocado, pois nada havia de irregular na contratação, cogitou a estapafúrdia possibilidade de instalar uma base militar dos EUA no Brasil, para logo em seguida voltar atrás, diante da reação da caserna, e chegou a divulgar um vídeo de um homem algemado que quebra um vidro de uma viatura e se joga para fora do carro – como se o ato constituísse prova irrefutável de que “meliantes se autoagridem” na tentativa de amolecer o coração de juízes e, com isso, convencê-los a soltá-los.

Na maior demonstração de que os alvos seguem os mesmos, o presidente trocou farpas com seu adversário de campanha, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, do PT. Se Haddad era na campanha um poste de Lula, consagrada a sua derrota é Bolsonaro quem trata agora de mantê-lo aceso. Na sua condição de adversário derrotado, Haddad tem seguidamente feito críticas ao novo governo. Natural seria o presidente ignorá-las e tratá-las como “choro de derrotado”. Ao contrário, Bolsonaro optou por dar eco a elas.

Na quinta-feira 4, Haddad postou no Twitter uma reportagem da revista alemã Deutsche Welle que tecia ataques a Bolsonaro. Dizia o texto que seu governo representa um “anti-intelectualismo que lembra a Inquisição”. O texto fazia referência à importância dada a temas controversos como o globalismo, a ideologização de esquerda no ensino e a formalização de acordos internacionais com bases ideológicas. Bolsonaro acusou o golpe e tomou as críticas como se fossem do próprio Haddad. Era tudo o que o ex-prefeito de São Paulo queria. O petista respondeu ao presidente instando-o ao debate. “Quem disse isso foi um jornalista da Deutsche Welle, mas se você já se sentir seguro para um debate frente a frente, estou disponível. Forte abraço!”.
O presidente ainda comporta-se como se ainda estivesse submetido ao escrutínio da população, coisa que só voltará a acontecer daqui a quatro anos. Os próprios aliados manifestam preocupação nos bastidores com esse tipo de postura. Isso porque a resistência do presidente em “descer do palanque” pode, na avaliação dos mesmos, até mesmo comprometer a governabilidade. Há quem considere que a estratégia de Bolsonaro seja desviar a atenção dos problemas e do bate-cabeça inicial do governo. A questão é que a ânsia tuiteira do presidente acaba fazendo com que ele mesmo avance e recue e provoque um bate-cabeça nas redes sociais. Jogar para a torcida de forma precipitada pode gerar prejuízos concretos.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, usou do mesmo expediente quando questionou o contrato de locação de veículos pelo Ibama no valor de R$ 28,7 milhões celebrado ao final do governo Temer. Em princípio, o valor, de fato, saltava aos olhos.E Bolsonaro correu para reforçar o arroubo do integrante do primeiro escalão.

O Ibama atua na fiscalização ambiental de um País de mais de 8 milhões de quilômetros quadrados com 67 florestas nacionais. O contrato previa a locação de 393 veículos, com seguro incluído, manutenção preventiva e combustível para um ano. Já havia sido aprovado pelo Tribunal de Contas da União. Era 10% mais barato que o contrato anterior, cujo valor era de R$ 31 milhões para a locação de 360 automóveis. O equívoco de Salles induziu Bolsonaro ao erro. Depois, ambos recuaram.Tarde demais. Em reação, a presidente do Ibama, Suely Araújo, pediu demissão.

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A possibilidade de instalação de uma base militar dos EUA no Brasil, corroborada inclusive pelo chanceler Ernesto Araújo, rendeu outra “meia volta, volver” do presidente. Um dia depois de a hipótese ter sido aventada, o meio militar acordou em polvorosa. A instalação de bases militares estrangeiras no Brasil depõe contra o discurso nacionalista de defesa da soberania nacional entranhado na caserna. Além de seu potencial explosivo. A Rússia ensaia há anos instalar uma base na Venezuela. Se uma base americana fosse instalada no Brasil, a chance estaria posta de forma explícita. E os conflitos entre os dois países estariam definitivamente instalados no coração da América do Sul. ISTOÉ apurou com vários congressistas que o comportamento ambivalente do presidente pode complicar a aprovação de matérias no Congresso. “Qual a segurança que nós teremos de defender algo encaminhado pelo Executivo se, depois, o presidente voltar atrás?”, questionou um parlamentar. Por enquanto é um parlamentar que questiona. O problema é quando começar a ser o povo.


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