O Brasil vive uma situação curiosa. Temos um presidente da República que, no exercício do cargo, mais crimes de responsabilidade cometeu. Contudo, até o momento, é considerado inadequado iniciar um amplo movimento em defesa do impeachment de Jair Bolsonaro. Supostamente não haveria condições políticas. Curiosamente, segundo esta leitura, o que importa não é o crime, mas a dificuldade de puni-lo porque poderia levar a uma turbulência política. Melhor seria ignorar, fingir que nada ocorreu. Um terceiro impeachment em menos de trinta anos de vigência da atual Constituição abalaria a República, como afirmou o presidente do STF Luiz Fux. É uma curiosa interpretação da Carta de 1988. Neste caso o problema seria a punição — o impeachment — e não os inúmeros crimes de responsabilidade. Tal afirmação poderia fazer parte, com destaque devido, no “Festival de Besteira que Assola o País”, o Febeapá, do grande Sérgio Porto.

O presidente vive um affair passageiro com o Congresso, vai durar pouco. Enquanto puder bancar não haverá impedimento

As pesquisas de avaliação da popularidade de Bolsonaro têm apresentado queda constante — já é uma tendência — da avaliação positiva. Por outro lado, a avaliação negativa não para de crescer e supera largamente os que consideram o governo ótimo ou bom. Nada indica que deve mudar neste trimestre. A relativa melhora nos índices estava diretamente vinculada ao auxílio emergencial. Seiscentos reais para uma família — sinal da incrível desigualdade de renda existente no Brasil — causou uma verdadeira revolução. Houve até uma inflação no preço dos alimentos. Foi o “efeito Marcela”, como a célebre personagem machadiana do “Memórias Póstumas de Brás Cubas.”

Escreveu o falecido: “Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis.” Foi o que ocorreu com Bolsonaro. Se associar o fim do auxílio emergencial com a permanência da pandemia não há governo que mantenha apoio popular. Isto sem falar da recessão de 2020, da maior taxa desemprego da história e de uma recuperação econômica muito tímida a partir do segundo semestre.

A derrota nas eleições municipais demonstrou que Bolsonaro não tem o apoio eleitoral que alguns apressados davam a ele. Perdeu nos principais colégios eleitorais. E nas eleições para as presidências da Câmara e do Senado teve de se submeter aos desejos do Centrão. Comprou votos, mas sem ter a certeza de que esta manobra antirrepublicana possa garantir apoio parlamentar, mesmo frente a um eventual pedido de impedimento que seja aceito por Arthur Lira. Ou seja, o impeachment tem todas as condições de prosperar. O que falta? Ação política.