Por Lisandra Paraguassu

BRASÍLIA (Reuters) – Em seu terceiro discurso na abertura da Assembleia-Geral das Nações Unidas, o presidente Jair Bolsonaro levou ao principal palco mundial a defesa do chamado “tratamento precoce” contra Covid-19, criticou medidas sanitárias, afirmou que o Brasil esteve a beira do socialismo e desfiou distorções e inverdades em relação a seu governo.

“O Brasil mudou, e muito, depois que assumimos o governo em janeiro de 2019. Estamos há 2 anos e 8 meses sem qualquer caso concreto de corrupção. O Brasil tem um presidente que acredita em Deus, respeita a Constituição e seus militares, valoriza a família e deve lealdade a seu povo. Isso é muito, é uma sólida base, se levarmos em conta que estávamos à beira do socialismo”, começou Bolsonaro em uma fala que agrada a militância bolsonarista no Brasil, mas não melhora a imagem do país no exterior.

A imagem que seria mostrada por ele, disse o presidente, seria “diferente daquilo publicado nos jornais ou visto nas televisões”, com a “credibilidade recuperada”. A CPI da Covid, que revela desorganização e corrupção na condução do combate à epidemia no país, e que pode indiciar o próprio presidente por prevaricação, foi ignorada.

“Temos tudo o que investidor procura: um grande mercado consumidor, excelentes ativos, tradição de respeito a contratos e confiança no nosso governo”, afirmou.

De acordo com dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, a queda de investimentos estrangeiros diretos em 2020 foi acima de 50%, e desde então o Brasil não conseguiu se recuperar na mesma velocidade.

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Atendendo aos desejos da diplomacia brasileira, que pretendia ver Bolsonaro defender as ações ambientais no país –hoje um dos principais problemas para que se venda o Brasil ao mundo–, Bolsonaro afirmou que o país produz mantendo 84% da floresta amazônica em pé, declarou que dobrou o investimento em ações de controle do desmatamento e comemorou uma queda de 32% do desmatamento na região em agosto.

“Nossa moderna e sustentável agricultura de baixo carbono alimenta mais de 1 bilhão de pessoas no mundo e utiliza apenas 8% do território nacional. Nenhum país do mundo possui uma legislação ambiental tão completa. Nosso Código Florestal deve servir de exemplo para outros países”, afirmou

Nos meses anteriores, no entanto, a região teve aumentos consecutivos nos índices de desmatamento e no acumulado anual –entre agosto de 2020 e julho de 2021, 8,7 mil km² de mata nativa foram retirados da Amazônia. Os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais não são definitivos, mas apontavam uma queda de pouco mais de 5% em relação a 2019, quando o país teve o maior índice em uma década.

TRATAMENTO PRECOCE

Bolsonaro também não se furtou de levar à plateia mundial sua defesa do chamado “tratamento precoce” –o uso de medicamentos que não tiveram sua eficácia comprovada contra o coronavírus–, suas críticas a medidas de distanciamento social e mesmo os mais recentes passaportes sanitários, usados no mundo todo para tentar controlar a pandemia de Covid-19.

Em termos absolutos, o Brasil é o segundo país com maior número de óbitos pela doença, atrás somente dos Estados Unidos, e o terceiro em contagem de casos, abaixo de EUA e Índia.

“Apoiamos a vacinação, contudo o nosso governo tem se posicionado contrário ao passaporte sanitário ou a qualquer obrigação relacionada à vacina. Desde o início da pandemia, apoiamos a autonomia do médico na busca do tratamento precoce, seguindo recomendação do nosso Conselho Federal de Medicina”, afirmou, repetindo que ele mesmo fez esse tratamento.

Bolsonaro é o único presidente entre os líderes do G20, das maiores economias do mundo, a ter recusado a vacina até agora.

“Não entendemos porque muitos países, juntamente com grande parte da mídia, se colocaram contra o tratamento inicial. A história e a ciência saberão responsabilizar a todos”, disse.

Ficou de fora do discurso a suposta disposição de doar vacinas a países mais pobres, como o Haiti, que auxiliares de Bolsonaro tentaram injetar no pronunciamento, em uma tentativa de melhorar a imagem do país no exterior.

O presidente encerrou seu discurso com mais uma inverdade, ao citar as manifestações do dia 7 de Setembro.


“No último 7 de setembro, data de nossa Independência, milhões de brasileiros, de forma pacífica e patriótica, foram às ruas, na maior manifestação de nossa história, mostrar que não abrem mão da democracia, das liberdades individuais e de apoio ao nosso governo.”

Apesar de terem reunido milhares de pessoas em São Paulo e em Brasília, as manifestações ficaram distantes das realizadas na época do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e mais ainda da campanha das Diretas Já, para ficar só em dois exemplos.

Com uma retórica agressiva e cheio de inverdades e distorções, o discurso de Bolsonaro frustrou a expectativa de quem esperava uma fala que tentasse melhorar a imagem do país no exterior. Mesmo na ONU, o presidente continuou falando apenas para seus apoiadores.

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