Já estão a todo vapor as negociações para a eleição do novo comando do Congresso. O presidente tenta de forma temerária influenciar nesse processo e sonha em desmontar o parlamentarismo branco que marcou a primeira metade do seu mandato. O atual presidente da Câmara foi o maior obstáculo às pretensões de Bolsonaro. Não abriu espaço para investidas antidemocráticas e tentou encaminhar reformas, mas teve dificuldades em negociar com Paulo Guedes. Quem controlar o Congresso terá um papel decisivo. O novo comando, que será eleito em 1º de fevereiro, é vital para determinar o destino do governo. O presidente da Câmara é o responsável por brecar ou dar sequência aos pedidos de impeachment que ameaçam o presidente — já há mais de 40. Também poderá influir nos rumos da economia e frear ou acelerar as propostas conservadoras do bolsonarismo.

“O governo está desesperado para tomar conta da presidência da Câmara”, afirma Maia. Bolsonaro tenta romper a hegemonia oposicionista patrocinando a candidatura do enrolado Arthur Lira (PP), o líder do Centrão. Este conta com o apoio de 160 deputados (do PP, PL, Solidariedade, Avante, PSD, Patriota, Pros e PSC). O mandatário entrou na disputa com força. O governo tem associado a liberação de emendas parlamentares ao apoio para Lira. O alvo são as verbas do projeto de lei que abriu crédito suplementar de R$ 6,1 bilhões (PLN 30). O presidente também ofereceu ministérios. O lance mais provável é rifar o posto do general Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), que seria deslocado para a Secretaria-Geral, no lugar de Jorge Oliveira — já indicado para uma vaga no TCU. Substituindo Ramos poderia entrar o atual líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, também do PP, outro veterano do Centrão. Para atrair Marcos Pereira (Republicanos), o presidente acenou com uma pasta. Fez o mesmo com Davi Alcolumbre (DEM), o atual presidente do Senado, com o objetivo de influenciar na escolha na Casa. Marcelo Álvaro Antônio (Turismo), um bolsonarista de primeira hora, foi demitido sumariamente por se indispor com o jogo para dar mais espaço ao Centrão — reclamou das negociações feitas por Ramos. Onyx Lorenzoni (Cidadania) também pode ser obrigado a ceder seu ministério. E a recriação das pastas dos Esportes e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio está em estudo. Porém, a forma truculenta e errática com que o presidente age pode dificultar essa costura delicada.

Com a ausência dos dois líderes do DEM no comando do Legislativo, o rearranjo das forças no Legislativo ainda é uma incógnita. E traz riscos. A união de forças espúrias já levou à direção da Câmara nomes da estatura de Eduardo Cunha e Severino Cavalcanti. Na Câmara, até o momento, o grupo de Rodrigo Maia conta com uma força razoável. Ele anunciou a criação de um bloco com 157 deputados (MDB, PSDB, DEM, Cidadania, PV e PSL). Deseja atrair o Republicanos. Conta ainda com o apoio da esquerda (PT, PSB, PDT, PC do B e PSOL), que soma 132 deputados. Isso proporcionaria uma maioria cômoda, acima dos 257 votos necessários para garantir a presidência da Câmara, que conta com 513 membros. Seu principal candidato é Baleia Rossi, presidente do MDB, mas também faz acenos para Aguinaldo Ribeiro (PP) e Elmar Nascimento (D

PRA FORA Marcelo Álvaro Antônio (Turismo) foi demitido para abrir espaço ao Centrão e por ter exposto as negociações com o grupo fisiológico (Crédito:Mateus Bonomi)

EM). Com o avanço do governo e a perspectiva de perda de poder, no entanto, seu grupo pode se fragmentar. No Senado, se a candidatura Rossi for efetivada, o MDB discute a possibilidade de apoiar uma candidatura do PSD, que poderia ser de Antonio Anastasia ou Otto Alencar. O grupo Muda Senado quer lançar candidato próprio, que pode ser Alvaro Dias (Podemos).

A base de Bolsonaro também testa forças. O PP pode conquistar uma hegemonia que já incomoda o presidente. O Republicanos, partido de dois filhos do presidente, é presidido por Marcos Pereira, que tenta mostrar independência do Centrão e do mandatário. Pereira havia anunciado sua própria candidatura ao comando da Câmara, mas pode mudar de opinião com o aceno de Bolsonaro. O PTB também tinha a intenção de se compor com PSL e Pros — e decidiu aderir a Lira depois do pedido do presidente. Os partidos de esquerda são, nesse momento, o fiel da balança. Maia tem laços históricas com essas legendas, mas elas provavelmente não seguirão unidas. O PT, com 54 deputados, já foi procurado por Lira. O candidato de Bolsonaro se reuniu com José Dirceu e dispôs-se a defender três temas prioritários para a legenda de Lula: combater a Lava Jato, rever a lei da Ficha Limpa e encontrar uma nova forma de financiar os sindicatos. A maioria da bancada do PSB decidiu apoiá-lo. Já o PSOL deve ter uma candidatura própria.

Pedalada constitucional

A disputa para a cúpula do Legislativo começou depois de uma decisão controversa — mas acertada — do STF. A corte negou a possibilidade de recondução dos presidentes no meio da legislatura. A norma está inscrita de forma cristalina na Constituição, mas Maia e Alcolumbre contavam com uma interpretação benéfica que permitisse a eles permanecerem no comando das Casas. A pedalada constitucional visava manter o status quo. Essa tese quase colou no STF por conveniência política e pela tendência de se criar uma fórmula de contenção de Bolsonaro. Mas impedir os arroubos totalitários do mandatário deformando a norma constitucional seria o típico remédio que pode matar o paciente. Até hoje os projetos do governo no Congresso não andaram por culpa exclusiva de Bolsonaro. Primeiro, o presidente renunciou a qualquer composição com os parlamentares e implodiu sua própria base da apoio. Depois, negociou a adesão do Centrão quando o risco de impeachment cresceu. Sua obsessão é a reeleição. A aversão à negociação impediu que qualquer pauta econômica importante avançasse — e a sabotagem foi patrocinada pelo próprio presidente. Ele freia as reformas para agradar a base. Nenhuma privatização caminhou, e nenhuma deve ocorrer — independentemente de quem estiver no comando do Congresso. Não é para isso que Bolsonaro se elegeu.