12/04/2022 - 8:20
Após avanços institucionais no controle da corrupção em grandes corporações, o Brasil enfrenta agora a corrupção do varejo. Essa é a conclusão do economista Marcos Fernandes Gonçalves da Silva, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP) e pesquisador do FGV/Ethics. Estudioso do tema, Fernandes diz: “Bolsonaro incentiva a corrupção ao negá-la” A seguir, sua entrevista.
Em 2016, o sr. pensava que a Lei Anticorrupção e o aumento de controles da atuação das grandes empresas seriam o caminho do combate à corrupção. O que mudou de lá para cá?
Aumentaram o custo e o risco de grandes empresas se envolverem em escândalos de corrupção. Por necessidade de cumprimento de acordos internacionais, o País adotou a Lei Anticorrupção e as empresas adotaram práticas de compliance. Isso é inegável. Há evolução do controle da corrupção por parte das corporações. É positivo. A corrupção tem causas estruturais, basta ler Raymundo Faoro e entender as relações entre público e privado no Brasil. Qualquer que seja o governo você terá algum escândalo de corrupção. Isso não quer dizer que o presidente saiba do que ocorre ou participe do esquema. Um dos grandes problemas dos últimos anos foi a moralização da discussão da corrupção no País. É preciso uma perspectiva mais pragmática e menos moralista. Quem acabou com a Lava Jato foram os lavajatistas.
Mas, se houve avanço normativo, não teria havido regressão em relação à atuação dos órgãos de controle do governo federal?
A CGU está aparelhada, não existe mais na prática. Assim como a Polícia Federal. Retiraram-se poderes do Coaf. No passado não tivemos essa instrumentalização da máquina pública como hoje.
A corrupção na Lava Jato envolvia grandes corporações. O que acontece hoje?
O que temos é o varejo. O varejo se impõe porque a corrupção do governo Bolsonaro é a corrupção do peculato, da rachadinha. A gente sabe que ela é uma prática disseminada pelo País; é a cultura do pequeno roubo, na medida em que se tem acesso limitado à máquina pública. Há ainda outro ponto: no presidencialismo de coalizão, com hiperfragmentação partidária, o governo que não tem agenda vira refém da corrupção do varejo. É o que ocorre no Ministério da Educação. Os atores que estão de trás são os da velha guarda do Centrão. O que resta em termos de negociação para um governo fraco é a corrupção do varejo. Isso não quer dizer que não tenha custo ou que não seja danosa. Ela é. Não apenas em termos de dinheiro, de roubo, mas também por minar políticas públicas.
O presidente diz que a PF não precisa investigar o seu governo porque não existiria corrupção. Como essa declaração deve analisada do ponto de vista da luta anticorrupção?
Estamos em ano eleitoral, então, o presidente vai usar isso. Em qualquer governo há corrupção. É fatal. Vale para o Lula e para o Bolsonaro. Sendo honesto, sempre vai haver corrupção em qualquer governo. Há corrupção no governo. O que não significa que seja de responsabilidade de Bolsonaro.
Quando um presidente age dessa forma, que tipo de recado ele manda para quem pratica a corrupção?
Ele cria um incentivo para que ocorra corrupção ao negá-la. Isso porque o corruptor e o corrupto vão saber que o presidente vai negar que existe corrupção no governo. Cria incentivo. É claro que, em ano eleitoral, é complicado ser realista. Mas seria mais inteligente. Bolsonaro foi eleito com a agenda da moralização e teve como seu ministro da Justiça Sérgio Moro. Quando fala que não há corrupção no governo, isso cria incentivo para que ocorra corrupção, porque não há incentivos dentro do próprio governo para investigar em ano eleitoral.
O que fazer para diminuir a corrupção?
O que se pode é utilizar mais mecanismos de transparência, com informatização dos meios de fiscalização e usar tecnologia para controle da corrupção. Usar novas tecnologias de informação com coleta de dados em tempo real e uso de algoritmos de aprendizado para observar irregularidades em contratação, pontos fora da curva, anomalias. O problema é quando você aparelha e corta autonomia dos órgãos de controle. Se você dá autonomia e incentiva a inovação tecnológica, o ambiente muda. É preciso ter um plano de fato de combate à corrupção, que fuja do moralismo de um lado e, do outro, do populismo. Ambos não combatem a corrupção.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.