Ao participar por mais de duas horas de um ato a favor do seu governo e com críticas ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal (STF) na tarde deste domingo, 15, o presidente Jair Bolsonaro ignorou a orientação de sua equipe médica e as diretrizes do Ministério da Saúde para o combate ao coronavírus. Bolsonaro deixou o isolamento que deveria fazer por ter se encontrado, semana passada, com ao menos 11 brasileiros que já tem a doença e cumprimentou centenas de apoiadores em frente ao Palácio do Planalto. A atitude foi criticada por políticos e médicos, que classificaram a atitude como um mau exemplo à população.

Análise feita pelo jornal O Estado de S. Paulo a partir da filmagem da participação do presidente no ato mostra que ele teve contato físico com 272 pessoas em cerca de 58 minutos de interação na frente do palácio. Bolsonaro manuseou ao menos 128 celulares, trocou ao menos quatro objetos com a plateia, entre eles um boné, que vestiu, e cumprimentou 140 pessoas, segundo levantamento do Estado. Ele chegou a colar o rosto ao de outras pessoas para fazer fotos.

Infectologistas e até aliados próximos de Bolsonaro reprovaram a atitude. Segundo especialistas em doenças infecciosas, o presidente errou ao ignorar a recomendação de isolamento e expor os manifestantes ao risco de contaminação pela covid-19 (caso esteja com o vírus incubado); ao não proteger a si próprio e ter contato com uma aglomeração que pode incluir pessoas infectadas; e ao não dar o exemplo à população de que deve ser levada a sério a orientação feita pelo Ministério da Saúde para que se evite aglomerações.

“As pessoas públicas, autoridades, profissionais de saúde têm que dar o exemplo para a população. Temos que manter a coerência. Com esse tipo de atitude (do presidente), fica mais difícil a população aderir e acreditar que é algo que deve ser levado a sério”, afirmou Nancy Bellei, professora de infectologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Segundo especialistas, não é só o contato direto que transmite o coronavírus. Gotículas de saliva de uma pessoa infectada também podem passar o vírus. Para o epidemiologista Eliseu Waldman, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, a conduta de Bolsonaro entrou em conflito com as recomendações das autoridades sanitárias. “O Ministério da Saúde fala uma coisa e o presidente, não com palavras, mas com atos, fala outra”, disse ele.

No fim da tarde, o Ministério da Saúde voltou a orientar que sejam evitadas aglomerações e contatos próximos. “A recomendação vale para manifestações, shows, cultos e encontros, entre outras atividades”, informou a pasta. O ministro Luiz Henrique Mandetta disse ao canal CNN Brasil que participar de aglomerações “é completamente equivocado”.

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De acordo com o infectologista Celso Granato, professor da Unifesp e diretor médico do Grupo Fleury, o correto seria Bolsonaro manter o isolamento por 14 dias desde o último contato que teve com um caso confirmado. “Pegar celular e outros objetos pode deixar uma ‘impressão digital com o vírus’. É um risco em potencial.”

Políticos

Além das críticas por desrespeito às diretrizes de combate a uma doença que se espalhou mundialmente, Bolsonaro também foi atacado por ter participado de manifestações que atacam o Parlamento. Enquanto o presidente cumprimentava simpatizantes em frente ao Palácio do Planalto, manifestantes gritavam “Fora Maia”. Um deles chegou a pedir que o Bolsonaro fechasse o Congresso. Era possível ouvir também ouvir gritos contra o presidente do STF, Dias Toffoli.

O presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) classificou o comportamento do presidente como “inconsequente”, um “confronto” à democracia.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que Bolsonaro deveria estar “coordenando um gabinete de crise para dar respostas e soluções para o País”, em vez de ir ao protesto (mais informações na pág. A6).

No fim do dia, o presidente comentou o assunto em uma entrevista à CNN Brasil. Ele chamou de “extremismo” e “histeria” medidas adotadas diante da pandemia do coronavírus, que no Brasil já havia infectado 200 pessoas até o início da noite. “Porque não vai, no meu entender, conter a expansão desta forma muito rígida. Devemos tomar providências porque pode, sim, transformar em uma questão bastante grave a questão do vírus no Brasil, mas sem histeria”, opinou o presidente.

Diretor da Anvisa na manifestação

O diretor-presidente substituto da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, acompanhou o presidente Jair Bolsonaro no ato de ontem em Brasília. Em alguns momentos da transmissão da participação de Bolsonaro na manifestação, Torres, que é médico e contra-almirante, aparece filmando os cumprimentos entre o presidente e os apoiadores.

A presença do diretor da Anvisa no protesto causou perplexidade em técnicos da área da Saúde do governo, segundo apurou o Estado. Para eles, o episódio tira crédito da campanha de prevenção ao coronavírus que vem sendo feita e confunde a população.

A Anvisa não se manifestou sobre a ida de Bolsonaro ao ato. O órgão disse apenas que Torres aceitou um convite para conversa informal no Palácio do Planalto com o presidente. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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