Bolsonaro foi o principal beneficiário de investigações do ‘gabinete do ódio’, diz PF

Ex-presidente ficou de fora da lista de indiciados no inquérito que investiga a estrutura da Abin paralela, mas teria recebido informações e dado aval para monitoramento de adversários

Bolsonaro foi o principal beneficiário de investigações do ‘gabinete do ódio’, diz PF

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi o principal beneficiado pelos inquéritos paralelos e monitoramento de opositores feitos pelo gabinete paralelo criado na estrutura da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). A afirmação foi feita pela Polícia Federal no relatório que investiga o “gabinete do ódio” entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF). Ao todo, 35 pessoas foram indiciadas, mas Bolsonaro não consta na lista de indiciados (entenda abaixo).

De acordo com a investigação, Bolsonaro integrava o núcleo político da estrutura paralela, que tinha o comando de seu filho Carlos Bolsonaro, vereador do Rio de Janeiro, responsável pelo comando das redes sociais do ex-presidente. Os investigadores apontaram que os pedidos de monitoramento de adversários políticos e servidores passavam pelo crivo da família Bolsonaro.

“JAIR MESSIAS BOLSONARO figura como o principal destinatário do produto das ações clandestinas e da instrumentalização da ABIN. São evidências que corroboram a concorrência do então Presidente da República das ações delituosas perpetradas na ABIN”, aponta o relatório.

Segundo a PF, o grupo, que contava com o ex-diretor da Abin e atual deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), teria monitorado opositores para criação de narrativas e ataques durante o período eleitoral. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esteve na lista de alvos da organização.

O relatório aponta que o petista começou a ser monitorado entre 2020 e 2021, com a investigação interna da Abin sobre o Instituto Lula. Funcionários da fundação também teriam sido monitorados durante o período.

A cúpula do “gabinete do ódio” ainda teria falsificado um áudio de Marcos Herbas Camacho, o Marcola, líder do PCC, para dar a entender o apoio do criminoso a Lula nas eleições de 2022. O grupo, de acordo com a PF, também teria disseminado dossiês contra o petista, além de ter acessado e usado indevidamente dados sigilosos da corporação e da Receita Federal para criar narrativas falsas.

Além de Lula, a Abin teria monitorado o ministro Alexandre de Moraes, do STF, além de Rodrigo Maia (ex-presidente da Câmara), João Doria (ex-governador de São Paulo), Davi Alcolumbre (presidente do Senado) e Hamilton Mourão, que foi vice-presidente de Bolsonaro. Jornalistas, servidores públicos e empresas também foram alvo de espionagens.

“Os eventos destacados ao longo da investigação, ainda, demonstram que as ações eram realizadas para obtenção de vantagens precipuamente do NÚCLEO POLÍTICO. As ações clandestinas, portanto, tinham seus produtos delituosos destinados ao interesse deste núcleo com ataques direcionados à adversários e ao sistema eleitoral, dentre outros”, ressaltou o relatório.

A ISTOÉ tentou contato com a defesa do ex-presidente, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.

Favorecimento pessoal

A Polícia Federal apontou que o ex-presidente usou a ‘Abin paralela’ para blindar investigações contra seus familiares. O ex-presidente tentou impedir a investigação contra dois de seus filhos: o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Jair Renan Bolsonaro, atualmente vereador em Balneário Camboriú.

Flávio era investigado no “caso das rachadinhas”, após o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) detectar movimentações atípicas nas contas do senador, que nega as acusações. A PF citou um encontro entre Bolsonaro, Ramagem e as advogadas do parlamentar para criar narrativas contra servidores da Receita Federal.

“As tarefas de contrainteligência do núcleo familiar da mesma sorte revelam o uso da estrutura paralela para evitar ações estatais que pudessem comprometer o núcleo”, afirma a PF.

“O contexto da reunião revela uma articulação cujo objetivo era criar um fato contra servidores da Receita Federal do Brasil, utilizando alegações de existência de uma organização criminosa no órgão para deslegitimar os procedimentos da Corregedoria-Geral do órgão. Essa narrativa, baseada em acusações não comprovadas, tinha como objetivo final anular na origem, as apurações relacionadas às movimentações financeiras suspeitas envolvendo o Senador FLÁVIO BOLSONARO”, completa.

Em outro momento, o grupo tentou blindar Jair Renan da investigação de uma suposta intermediação para empresários assumirem uma licitação para a construção de casas populares em troca de um carro elétrico. De acordo com os investigadores, Ramagem teria determinado que um policial federal fizesse vigilância a um ex-sócio de Jair Renan e tentasse atribuir o veículo a ele.

“A determinação da diligência partiu do Palácio do Planalto, na figura do Gabinete de Segurança Institucional e foi realizada diretamente pelos policiais federais cedidos, que respondiam diretamente ao Diretor-Geral, sem a participação de servidores orgânicos”, ressaltou o documento.

Bolsonaro ainda teria tido acesso a documentos sigilosos da Polícia Federal e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para alavancar seu discurso contra as urnas eletrônicas e o sistema eleitoral do país. De acordo com a PF, as informações repassadas pelo “gabinete do ódio” era usado para disseminar desinformação nas redes sociais do ex-presidente.

O núcleo ainda monitorava opositores que davam “dor de cabeça” a Bolsonaro. Entre os investigados estão senadores da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 no Senado. Há ainda monitoramento contra funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Bolsonaro fora da lista de indiciados e próximos passos

A Polícia Federal deixou o ex-presidente de fora do rol de indiciados no inquérito. De acordo com o documento, Bolsonaro já é investigado no roteiro de golpe de Estado, que trata sobre a divulgação de desinformação sobre o sistema eleitoral. Ele é réu no processo que tramita no STF e chegou a prestar depoimento à Primeira Turma da Corte no começo do mês.

Ramagem, no entanto, figura entre os indiciados nos dois inquéritos. Além dele, outros 34 foram incluídos no rol de investigados pela Polícia Federal.

O relatório foi encaminhado à PGR, que deverá decidir se denuncia, ou não, os investigados. A tendência que é o procurador-geral da República, Paulo Gonet, se posicione sobre o caso apenas no segundo semestre, após o recesso do Judiciário.