Um punhado de militares estrelados não achou graça na última palhaçada de Jair Bolsonaro – o nosso Coringa, na ótima sacada da capa de IstoÉ desta semana. 

Na terça-feira, o presidente usou a palavra “pólvora” num discurso desvairado sobre as relações do Brasil com os Estados Unidos, que em breve serão governados pelo democrata Joe Biden. Como Biden sugeriu que imporá sanções comerciais aos produtos brasileiros, por causa devastação descontrolada na Amazônia, Bolsonaro alertou que a reação pode ser terrível. O Brasil talvez seja um país de maricas, mas tem um machão-in-chief. Ui!

Foi ridículo. E as Forças Armadas demonstraram o seu desprazer em se verem envolvidas nessa fanfarronada. 

Dois militares que se renderam ao bolsonarismo na primeira hora, mas hoje estão arrependidos, responderam pelo Twitter. O general Santos Cruz, demitido no ano passado do cargo de ministro-chefe da Secretaria de Governo, avisou que está “cansado de show”. Paulo Chagas, outro general, escreveu: “Há muito deixei de dar atenção a pronunciamentos de fanfarrões, às suas ameaças absurdas e à exposição do seu despreparo e falta de maturidade.”

O vice-presidente Hamilton Mourão, também ele general, deu um recado mais sutil. Numa entrevista na manhã desta sexta-feira, disse que pessoalmente entendia que a confirmação de Joe Biden como presidente americano está próxima, mas que não podia falar pelo governo. Bolsonaro insiste em aguardar que todas as ações ajuizadas por Donald Trump para revisar os resultados da votação americana sejam julgados, antes de congratular Biden em nome do Brasil. É uma tola quebra das tradições diplomáticas do país, e Mourão fez sua crítica de um jeito manso. 

A manifestação mais importante, no entanto, veio do Comandante do Exército, o general Edson Pujol. Nesta quinta-feira, durante uma entrevista na internet, ele disse que as Forças Armadas não querem se envolver na política – e não querem que a política se infiltre nos quartéis. Foi uma clara tentativa de marcar distância em relação às pataquadas de Bolsonaro. 

Mas não foi o bastante. 

Logo depois de dizer que os militares não querem se envolver na política, Pujol fez uma ressalva: não vê problema na participação de oficiais das forças armadas em funções de governo, se o convite for uma “escolha do Executivo”. 

Em outras palavras, ele não desencorajou a infestação da máquina pública por militares, ou a cooptação dos militares por quem controla os cargos públicos (a saber, Bolsonaro). Lembremos que já são mais de seis mil militares em cargos comissionados. Se isso não é permitir que as Forças Armadas se misturem com a política, o que seria?  

Militares não gostam de parecer ridículos. Bolsonaro os fez parecer ridículos com sua bravata sobre o uso de pólvora contra os Estados Unidos. Por um instante, pareceu que as Forças Armadas não seriam mais que um brinquedo nas mãos de um mentecapto. Soldadinhos de chumbo. Os generais acharam necessário colocar os pingos nos iis. Ótimo.

É preciso mais, no entanto. Bolsonaro sempre foi um fanfarrão. Isso não impediu que os generais que hoje o renegam bancassem sua aventura eleitoral em direção ao Planalto. Alguns, como Santos Cruz, foram escanteados depois da primeira hora, o que acrescenta uma dose de ressentimento às suas críticas. 

Se querem mesmo estabelecer fronteiras claras entre as Forças Armadas e a política, e desfazer a asneira que consistiu em dar asas ao Capitão Cloroquina, os generais arrependidos devem trabalhar para que seus subordinados (ou ex-subordinados) deixem de se comportar como sindicalistas ávidos por boquinhas, e parem de dar suporte a uma administração de absoluta incompetência. 

Essa seria a verdadeira ação patriótica. Em paralelo, se desejarem, os generais podem continuar vociferando em público.