A participação do Brasil na Cúpula do Clima já ficou indelevelmente marcada pela imagem de um cachorro cobiçando frangos, utilizada pelos representantes brasileiros nas reuniões preparatórias do encontro. No entanto, ela não retrata de modo fiel a atitude que o governo Bolsonaro tem mantido em relação à Amazônia. Em vez de se comportar como um vira-lata humilde à espera de que lhe joguem um o$$o, o governo se comporta como um sequestrador: se lhe pagarem, a floresta sai viva das suas garras; caso contrário, é serra nela. 

Essa vem sendo há tempos a retórica do Ministério do Meio Ambiente, reiterada em entrevistas do ministro nos últimos dias. Sem dinheiro estrangeiro, disse ele ao Estadão não haverá compromisso nenhum com metas de redução do desmatamento. Mas com 1 bilhão de dólares, aí sim haveria esforço para  diminuir entre 30% e 40% o corte de árvores nos próximos doze meses. 

Como? Adotando uma estratégia em cinco eixos, que deve ser apresentada aos gringos a partir de amanhã. Esses eixos seriam: ações de comando e controle (ou seja, ações policiais), medidas de regularização fundiária, pagamentos por serviços ambientais, ações de zoneamento ecológico-econômico e incentivos à bioeconomia. 

Se eu fosse um negociador americano, minha primeira pergunta seria: por que 1 bilhão de dólares, e como esses recursos garantiriam os resultados indicados? Sem detalhamento melhor, os números parecem aleatórios, talvez sussurrados aos técnicos do governo pelo Curupira. E a esta altura dos acontecimentos, são pequenas as chances de alguém querer desembolsar uma fortuna como essa para o Brasil gastar como bem entender. 

Não há base nenhuma para confiar nas intenções da trupe de Bolsonaro. Nenhuma. Em dois anos de mandato do presidente, todas as ações apontaram na direção contrária da preservação e do desenvolvimento de uma “bioeconomia”. 

Vejamos os números do desmatamento: segundo o Inpe, houve crescimento de 34,6% na área desmatada de 2018 para 2019, e outro aumento de 9,5% de 2019 para 2020. A tendência se mantém. Os alertas de desmatamento no mês passado foram os mais altos da série histórica de monitoramento. 

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Vejamos as promessas oficiais: segundo o Plano Amazônia 2021-2022, o governo pretende devolver os “ilícitos ambientais e fundiários, especialmente as queimadas e o desmatamento ilegal”, aos níveis da média histórica 2016/2020. Como notou o Observatório do Clima, isso significa um desmatamento 15,6% maior que o do último ano do governo Temer. É redução comedida, para não deixar nenhum grileiro aborrecido. Outra: em dezembro de 2020, o Brasil tornou menos ambiciosas as suas metas de corte nas emissões de gases de efeito estufa. Quer despejar 400 milhões de toneladas de gases a mais na atmosfera, de hoje até 2030, do que havia prometido fazer em 2015.

Vejamos as ações políticas e administrativas: neste ano, o governo reduziu a dotação orçamentária do Ministério do Meio Ambiente aos menores valores do século 21. Coube aos congressistas aumentar um pouquinho o dinheiro – mesmo eles, famintos por verbas que possam destinar aos seus redutos eleitorais, parecem mais preocupados com o assunto do que Bolsonaro. Mas até que existe alguma coerência no corte orçamentário: a estrutura dos principais órgãos de fiscalização do Ministério, o Ibama e o ICMBio, foi drasticamente enxugada. Não porque falte o que fiscalizar. Estima-se que 90% do desmatamento da Amazônia e 80% do desmatamento do Cerrado incorra em algum tipo de ilegalidade. 

Esse é o histórico do Brasil nos últimos dois anos. E então o governo chega a um fórum internacional e diz: se vocês não me derem dinheiro, as árvores vão cair; se vocês me derem dinheiro, vai ficar tudo ótimo – mas não exijam detalhes de como vou gastar a grana. É mais fácil sentir-se achacado do que confiar. 

Há outra opção que me ocorre. Talvez Joe Biden ache mais interessante, em vez de gastar 1 bilhão, criar percalços para a economia brasileira nos próximos dois anos, e assim causar as  condições propícias para que o país se livre de Bolsonaro nas eleições de 2022. 

 


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