Bolsonaro e o sebastianismo

Isac Nóbrega/PR
Foto: Isac Nóbrega/PR

Em 4 de agosto de 1578, o rei Dom Sebastião I, de Portugal, morreu na batalha de Alcácer-Quibir, no Marrocos. Populares que o aguardavam em seu país natal, porém, acreditavam que o monarca estava apenas desaparecido e, por muito, apostaram no retorno dele para conduzir a nação. A crença na volta messiânica ficou conhecida como sebastianismo. O bolsonarismo reeditou o movimento — e deu-se conta disso somente agora, às vésperas da posse de Lula.

Deputados e senadores alinhados ao Palácio do Planalto demonstram há dias decepção com Jair Bolsonaro, recluso e monossilábico desde a derrota para Lula nas urnas. Mas o sentimento geral de abandono agravou-se nesta semana entre os extremistas em razão de dois episódios. Quando a imprensa noticiou o plano do presidente de viajar aos Estados Unidos, congressistas radicais externaram preocupação, mas ainda buscaram contemporizar. Aventaram a esperança de o capitão, antes do embarque, invocar o artigo 142 da Constituição, que trata das funções das Forças Armadas e, segundo uma leitura equivocada e antidemocrática, autorizaria militares a agir como um “Poder Moderador”, impedindo a posse de Lula.

Em pouco tempo, os parlamentares levaram um balde de água fria. Reagiram com consternação à nomeação, assinada por Bolsonaro, de Júlio César de Arruda indicado por Lula para o Comando do Exército. Escolhido com base no critério da antiguidade, o general começa a comandar as tropas de forma interina na próxima sexta-feira (30) e assume de forma definitiva após a posse. Arruda terá como principal missão, na largada de sua gestão, a desmobilização dos acampamentos golpistas montados em frente a quartéis-generais. “Inês é morta”, reagiram alguns deputados bolsonaristas, em conversa com ISTOÉ, valendo-se de uma expressão da língua portuguesa para pontuar que “não adianta mais” acreditar numa reação do presidente.

Dada a postura tímida do presidente, os mesmos congressistas estão descrentes quanto à chance de Bolsonaro assumir a liderança da oposição, como prometeu Valdemar Costa Neto, num futuro próximo. Esperam, ao menos, que o presidente dê satisfações à militância e à própria base no Congresso antes de viajar. “Entrar em um avião da FAB sem data para voltar enquanto há gente nas ruas, gente com contas bloqueadas e gente sendo presa seria uma atestado de abandono da vida pública. Precisa ao menos dar uma luz para este pessoal”, comenta um parlamentar, sob reserva.

A avaliação é compartilhada publicamente por nomes que estiveram ao lado do presidente em 2018 e, hoje, dizem-se independentes. “Por consideração às pessoas que tanto o apoiam, Bolsonaro deveria esclarecer os manifestantes e pedir que retornem para casa. Explicar que se afastará por um tempo, até para regressar e participar ativamente da futura oposição”, anotou a deputada Janaina Paschoal no Twitter.

Bolsonaro, porém, se vê numa encruzilhada. Por ego, não quer falar e decepcionar muitos de seus seguidores ao adotar um tom ameno na saída do Planalto. Ao mesmo tempo, teme escalar no discurso e ganhar, de brinde, problemas na Justiça por insuflar os movimentos golpistas, que flertam com o terrorismo. O caminho, portanto, deve ser o silêncio. Precisa-se destacar que a dúvida do capitão sobre o que deve ser dito, somada à recusa em transmitir a faixa presidencial, apenas comprova o que a grande maioria do país já sabe: Bolsonaro não é um democrata.