A capa da última edição da ISTOÉ, além de raro poder de síntese e beleza gráfica, captou perfeitamente o espírito do tempo ao retratar o presidente como um insano, inconsequente e irresponsável que está zombando de todos enquanto provoca o caos. Não é por acaso que a revista viralizou, liderou os trending topics do Twitter e virou peça de colecionador. Foi como se os leitores lavassem a alma com a representação mais fiel de Jair Bolsonaro criada até agora.

Nos quadrinhos, o coringa nasceu para criticar o sonho americano reproduzindo o universo expressionista e gótico. Depois, flertou com o “camp” e virou um ícone pop. O pierrô sádico que dá gargalhadas enquanto barbariza já recebeu apelidos como “Príncipe Palhaço do Crime”, “Bobo da Corte do Genocídio” e “Arlequim do Ódio”. Todos muito precisos. Como os vilões são mais interessantes que os heróis, foi interpretado por grandes atores desde os anos 1950. O último, Joaquin Phoenix, subverteu mais uma vez os códigos do personagem. Passou a ser um pária atormentado e assassino em um país que não trata seus doentes nem respeita os que são diferentes.

Ao contrário do “joker”, Bolsonaro não é vítima da sociedade nem causa empatia. Enriqueceu utilizando os benefícios que a sociedade lhe proporcionou

Há uma disputa entre os fãs para saber quem é o melhor intérprete. Phoenix? Jack Nicholson? Heath Ledger? Jared Leto? Já o pior é inquestionável. É o presidente.

Não é que o mandatário seja apenas um mau ator. Lido como um personagem, também tem uma mente perversa orientada para o mal. É que ele não é uma vítima capaz de provocar empatia, como Phoenix o retratou. Ao contrário do “joker”, Bolsonaro não é um produto deturpado de uma sociedade injusta e cruel. Ele é o autêntico oportunista que cresceu e enriqueceu utilizando os benefícios que o sistema lhe proporcionou generosamente, apesar de dizer que vive em um “país de maricas”. Entrou no Exército que valoriza a disciplina até ser expulso por tramar um atentado. Hoje, enxovalha os generais. Para defender privilégios, principalmente da família, ingressou na política, onde sempre integrou partidos fisiológicos. Chegou à presidência em nome da moralidade, para em seguida fazer acordos com investigados e tentar fechar as instituições democráticas. Agora, questiona a própria legitimidade das urnas. É um enredo pobre, mas realista como no filme “Coringa”. Como no longa-metragem, o vilão terá um final trágico e infeliz. Lamentavelmente, até a sociedade acertar contas com ele, provocará ainda mais vítimas inocentes.