O depoimento do diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, à CPI da Covid no Senado é uma prova irrefutável do crime cometido pelo presidente Jair Bolsonaro contra a população brasileira. Sem apresentar ao País nenhuma justificativa razoável além de sua vontade pessoal, ele descartou a oferta que permitiria a entrega de 100 milhões de doses de vacinas contra o coronavírus até esse mês de maio. Como se isso não fosse suficiente, Bolsonaro proibiu que o resto do governo agisse para obter as doses da Coronavac e dos outros imunizantes.

Em meio à onda de negacionismo que o Brasil enfrenta, é importante ressaltar que a vida no mundo real é feita de causas e consequências. Esse desprezo pelas vacinas do Butantan causou a morte desnecessária de 80,3 mil brasileiros, segundo cálculos do epidemiologista Pedro Hallal, coordenador do maior estudo epidemiológico sobre coronavírus no Brasil. É crucial reforçar essa afirmação: uma ação deliberada do presidente sem qualquer justificativa científica ou de qualquer outra natureza provocou a morte de 80 mil pessoas. Bolsonaro não pode se esconder atrás da faixa presidencial: se a CPI comprovar que os fatos descritos por Covas e referendados por Hallal estão corretos, temos uma evidência comprovada de que Jair Bolsonaro é culpado pelo homicídio culposo de mais de 80 mil brasileiros. Isso dá um estádio do Maracanã lotado de corpos sem vida.

Todos nós, brasileiros, conhecemos alguém que morreu vítima da Covid. Já são mais de 450 mil mortos desde o início da pandemia. Não são apenas números: são famílias, amigos, pais, mães, avós, filhos. Entre tantos mortos, 80 mil deles poderiam estar vivos se tivéssemos um ser humano decente sentado na cadeira de presidente. Poderia ser o seu pai ou a sua mãe, internauta – ou talvez tenha sido. A atitude de Bolsonaro não cabe dentro da política nacional: ela justifica a abertura de um processo legal de crime contra a humanidade na Corte Internacional de Justiça de Haia, na Holanda.

Em relação à Justiça brasileira, é urgente que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) lidere um processo para que Bolsonaro seja acusado, no mínimo, por homicídio culposo. Não estou falando aqui de relatórios de CPI, que são políticos. Isso merece ser visto sob a ótica do Código Penal.

Vale esclarecer as diferenças entre dolo direto e indireto. O crime doloso ocorre quando o indivíduo deseja matar a sua vítima. Seria o caso se Bolsonaro, pessoalmente, puxasse o gatilho contra alguém. Não é sobre isso que estou falando aqui. Comprovados os relatos de Dimas Covas e outros depoentes que seguiram a mesma linha acusatória, Jair Bolsonaro deveria ser condenado por dolo indireto, quando o sujeito não tinha a intenção direta de matar, mas tomou alguma decisão que causou a morte de alguém. No caso, de 80 mil pessoas. A culpa é inconsciente e o assassinato ocorre por negligência, imprudência ou imperícia. O homicídio culposo está previsto no artigo 121, §3º do Código Penal Brasileiro. Resta saber se há no Brasil algum tribunal que consiga obrigar o presidente a cumprir a lei.