Jair Bolsonaro está devendo a Arthur Lira uma daquelas declarações de amor que ele fazia com alguma frequência antigamente. Deveria ser em público, e bem derramada. Um post no Instagram com a música “Maloqueiro se Apaixonou”. Ou, mais fino, duas linhas da portuguesa Florbela Espanca:

“Não és sequer razão do meu viver

Pois que tu és já toda a minha vida!”

Lira faz mais do que manter trancados os pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Também vêm dele as oportunidades para o presidente fingir que governa, nos intervalos entre uma motociata no horário do expediente e um discurso golpista.

Do que estou falando? Da aprovação da reforma do Imposto de Renda pela Câmara dos Deputados, na noite desta quarta-feira. A votação do projeto, que pouco antes parecia fadado ao esquecimento, foi uma vitória pessoal de Lira, mas também um presentão para Bolsonaro. Ele agora tem onde pendurar os custos do Auxílio Brasil, o plano assistencial com que pretende substituir o Bolsa Família.

Paulo Guedes cantou essa bola. Por criar despesas permanentes, o Auxílio Brasil precisa ser vinculado a uma fonte também permanente de receitas, e, como disse o ministro da Economia em mais de uma ocasião, a melhor candidata seria a cobrança sobre dividendos instituída pela reforma do IR.

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Ao longo do dia de hoje, a Câmara ainda deve votar destaques ao projeto, alguns deles bastante significativos para empresas e empresários atingidos por ele. Mas a tributação dos dividendos está por enquanto assegurada, e só pode cair no Senado.

Um detalhe da história mostra como Lira se transformou na principal peça de sustentação do governo – ou, melhor dizendo, na sua única peça funcional.

O presidente da Câmara conseguiu articular de tal maneira que todos os partidos de esquerda se viram forçados a apoiar o projeto. Afinal, cobrar imposto de quem recebe dividendos de empresas (“os mais ricos”), sempre foi uma bandeira desse campo político. E como os recursos devem ser carimbados para um gasto social, votar contra ficou ainda mais difícil.

Faço um parêntese para falar dos partidos que pretendem compor um “centro autêntico”, diferente do Centrão fisiológico. Mais uma vez eles ficaram perdidos. PSDB, DEM e Podemos, os dois primeiros especialmente, não conseguiram defender a principal razão para que não se aprovasse agora a reforma do IR: ela deveria vir no bojo de uma reforma bem mais ampla, que abordasse os problemas do nosso tenebroso sistema tributário, um dos maiores componentes do Custo Brasil, em vez de apenas resolver, de maneira casuística, uma questão do governo (criar uma fonte de receita para o seu programa assistencial). Sem discurso e sem unidade interna, os partidos liberaram suas bancadas para votar como quisessem.

A reforma vai andar no Senado? Vai depender de Rodrigo Pacheco, o presidente da Casa. Ele, que agora sonha em ser o candidato da “terceira via” nas eleições de 2022, poderia encampar a causa da reforma tributária ampla e segurar o projeto do IR. Compraria uma briga e tanto – coisa ruim para quem prefere jogadas seguras e costuma se fazer de sonso. Veremos.


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