O ex-ministro da Casa Civil no governo Lula (2003-2005) e ex-presidente do PT José Dirceu, condenado a 41 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro em dois processos da Operação Lava Jato, tem aproveitado o habeas corpus que o STF lhe concedeu para viajar pelo Brasil e divulgar o livro de memórias que escreveu na prisão. Ele concedeu entrevista à BBC News Brasil e além de falar sobre o presidente eleito, Jair Bolsonaro, falou também sobre a possibilidade de passar o resto da vida na prisão. “Não posso brigar com a cadeia. Se eu brigar com a cadeia, eu entro em depressão, eu começo a tomar remédio.” As informações são do UOL.

Confira os principais trechos da entrevista.

BBC News Brasil – Na véspera da eleição, o senhor disse ao jornal El País que “é uma questão de tempo para a gente tomar o poder. Aí nós vamos tomar o poder, que é diferente de ganhar uma eleição”. O que o senhor quis dizer?

Dirceu – (Risos) Você tem uma versão que já é a quarta. A pergunta foi simples e objetiva: “E se Haddad ganhar e não levar (a eleição)?” Eu falei: “Mas aí não é mais eleição, aí é uma questão de tomar o poder”. Se você fecha o Parlamento, como a ditadura fez, e fecha o Judiciário, vai fazer eleição? Não tem nada a ver com a resposta seguinte, que é a que conta: (A pergunta era) “E se o Bolsonaro ganhar?” Eu falei: “Já convivemos com Jânio e com Collor, vamos conviver com o Bolsonaro”.

BBC News Brasil – O senhor não disse que era “questão de tempo até tomarmos o poder”?

Dirceu – De jeito nenhum. Todo mundo me conhece, eu sou o contrário disso. A pergunta era sobre o caso de não darem posse para o Haddad. Nesse cenário, você vai discutir eleição? A questão que está colocada é do poder.

BBC News Brasil – Nesse cenário, haveria uma guerra civil?

Dirceu – Não, o Brasil já tem guerra civil. Se mataram 305 mil jovens de 2005 a 2015, se morrem 62 mil jovens no Brasil por ano, a maioria negro e pobre, o Brasil já tem uma guerra civil.

BBC News Brasil – Ainda que o senhor negue essa fala sobre tomar o poder, ela recebeu bastante atenção, e Haddad foi cobrado sobre ela no Jornal Nacional. Não acha que ela foi prejudicial à campanha?

Dirceu – Não, não teve nenhum efeito. Porque 90% da população brasileira não sabe o que é isso, não discutiu isso, não ouviu isso, não dá nenhuma importância para isso.

BBC News Brasil – Mesmo ela tendo sido abordada no Jornal Nacional?

Dirceu – Foi abordada por 30 segundos. Ele respondeu. Eu sempre disse que não faço parte de campanha. Não posso nem fazer parte de governo porque eu estou inabilitado (pelas condenações judiciais). Falo em meu nome, não no nome do PT ou do Haddad.

Haddad fala por ele. E depois, (ele) dizer que não vou participar do governo dele… Primeiro precisa ganhar, né? Para depois participar de governo. O Lula jamais falaria isso, jamais falou.

BBC News Brasil – O senhor ficou magoado?

Dirceu – De jeito nenhum, isso faz parte. Não tenho nenhum problema, porque realmente isso não teve nenhuma importância.

Podem acusar o PT de muitas coisas, menos de ser um partido que tentou chegar ao governo por vias que não fossem democráticas. Foi o PT quem praticamente criou as condições para o fim da ditadura.

As forças de oposição liberais burguesas democráticas não tinham mobilização popular. Quem tinha éramos nós. Da mesma maneira, nós não tínhamos eleitorado, e eles tinham. O MDB ganhou maioria na Câmara e no Senado e elegeu quase todos os governadores em 1986. O PT depois se transformou numa força majoritária eleitoral e chegou a ganhar quatro eleições (presidenciais).

Só ganham de nós rompendo as regras democráticas, como romperam inabilitando o Lula, fazendo uma eleição que, com as regras aprovadas, era para eles ganharem, e não nós. Autorizam o candidato a se autofinanciar, diminuem o tempo de rádio e TV, proíbem a campanha de rua e de arrecadação. Veja como estigmatizaram as doações de pessoas físicas. Ninguem faz doação, todo mundo tem medo.

BBC News Brasil – As mudanças não foram um avanço em relação à legislação que permitia doações empresariais?

Dirceu – Não, só teria sido avanço se houvesse financiamento público e proibição de autofinanciamento. A maioria dos candidatos que se elegeu são pessoas que autofinanciaram a campanha. Os do PT, sem exceção, só tinham verbas do fundo eleitoral e de pessoa física, que ninguém conseguiu arrecadar mais do que 100, 150, 200 mil reais.

BBC News Brasil – Isso não se aplica ao resultado da eleição presidencial.

Dirceu – A eleição presidencial era para ganharmos no primeiro turno. Aceitamos, porque está dentro das regras e tudo. Mas, se Lula disputa, o mais provável é que ganhasse do Bolsonaro no primeiro turno.

BBC News Brasil – Bolsonaro se elegeu com um discurso muito forte contra o PT e contra o vínculo que ele estabelece entre o PT e a corrupção. A presença ativa de quadros do PT que foram condenados por corrupção, como o senhor, não fortalece a posição dele?

Dirceu – De jeito nenhum, senão o Lula não teria levado o Haddad com 30 milhões de votos para o segundo turno. A figura mais injustamente acusada é o Lula, não sou eu.

BBC News Brasil – Mas Haddad perdeu para um candidato com um altissimo índice de rejeição.

Dirceu – Isso não quer dizer nada. Os dois tinham índice de rejeição parecido. Ele perdeu por outras razões, não só por causa da questão da corrupção. Aliás, em matéria de corrupção, temos que esperar para ver o que vai acontecer com o Bolsonaro e os filhos dele. Eles não têm mais nenhuma autoridade para falar sobre isso. Nem o (ex-juiz e futuro ministro da Justiça Sérgio) Moro tem, da maneira que cobraram dos outros.

Não que sejam culpados, precisa investigar. Mas o comportamento já revela algo quase inacreditável. A vitória dele se explica também pela questão da segurança, da violência, a questão religiosa, das igrejas evangélicas, do kit gay, a questão do antissistema.

Bolsonaro não é qualquer presidente. Ele é um presidente de um governo militar. O que tem de novo no Brasil é que a coalizão PSDB-DEM/PFL, que representava os interesses das elites do país, foi afastada. A coalizão que governará o Brasil é nitidamente do capital financeiro-bancário, que o (futuro ministro da economia, Paulo) Guedes representa, o setor militar, o partido do Bolsonaro e a Lava Jato.

Mas, como a cadeira é quente, ele nem sentou ainda e já está esquentando a cadeira, e começa a atenuar as posições.

BBC News Brasil – O Lula também não atenuou as posições ao assumir a Presidência?

Dirceu – Não, o Lula só evoluiu. Evidentemente tivemos que governar o país em circunstâncias em que as reformas que tínhamos de fazer foram limitadas, porque nós fomos o único governo de esquerda na América Latina que não tinha maioria no Parlamento com nosso partido.

Não conseguimos porque nem 120 deputados nem 20 senadores queriam fazer imposto sobre grandes fortunas, Imposto de Renda progressivo, taxar heranças e doações no Brasil, mudar o caráter do sistema tributário.