Um dos desafios da atual política brasileira é definir e compreender, no sentido histórico, o governo Jair Bolsonaro. Prefiro chamar de governo — apesar de ações confusas, desconexas e que configuram quase um desgoverno — do que de bolsonarismo. Isto porque a última expressão sinaliza um conjunto orgânico de ideias e o que Bolsonaro não tem são ideias e muitos menos a capacidade de estabelecer um elo orgânico entre elas. Diz platitudes, frases ao estilo do senso comum e infantiliza os assuntos públicos. Portanto, não há bolsonarismo. Pior é associá-lo a algum momento do autoritarismo brasileiro. Isto não passa de um primarismo pantagruélico — com licença devida ao mestre Rabelais (que, provavelmente, Bolsonaro imagina que seja um miliciano, descendente de franceses, que vivia em Rio das Pedras, e que era “funcionário” do seu amigo, o capitão Adriano da Nóbrega).

O integralismo era um partido de massas, o primeiro da história do Brasil, orgânico, estruturado verticalmente, que seduziu muitos intelectuais, nacionalista, representando uma das facetas do autoritarismo brasileiro, que nasceu entre os desiludidos da República — que imaginavam que a 1889, produziria um rompimento com a velha ordem imperial. Desencantados, foram se afastando do ideário da III República francesa e se aproximando do autoritarismo, especialmente o de viés positivista. Sendo assim, não há qualquer paralelo entre as falas desconexas do mandrião presidencial e o pensamento estruturado. Basta ler Plínio Salgado, Miguel Reale, entre outros integralista. Importante ressaltar também que o integralismo está mais próximo salazarismo do que do fascismo italiano.

Assistimos a uma enxurrada de reacionarismo. O mais recente — e cruel — foi o caso da menina, no Espírito Santo, que era estuprada pelo tio desde os seis anos e que acabou, aos dez anos, engravidando. A legislação é clara. O aborto foi autorizado. Foi necessário levá-la a Pernambuco devido à inacreditável recusa da equipe médica de realizar o procedimento. Para piorar, grupos de fanáticos religiosos foram ao hospital e ameaçaram os profissionais da saúde. É a barbárie travestida de religião. Ações patrocinadas por Bolsonaro estão destruindo os valores democráticos — ainda tão frágeis no Brasil — e desmontando o Estado.

Agora deseja cortar o orçamento das pastas da Saúde e Educação, tributar livros, controlar a imprensa via verbas oficiais. E a sociedade civil assiste bovinamente o obtuso pisando e esmigalhando a Constituição.

O presidente diz platitudes, frases ao estilo do senso comum e infantiliza os assuntos públicos