Em vez de curtir o Carnaval em sua confortável casa de praia de Angra dos Reis (RJ), onde chegou a dizer que estava em suas redes sociais, Jair Bolsonaro preferiu passar o feriado em um modesto dormitório da Embaixada da Hungria, em Brasília, para onde levou uma bolsa com roupas e até sua cafeteira, conforme mostraram imagens das câmeras de segurança da residência oficial do embaixador húngaro no Brasil, Miklós Halmai. O ex-presidente disse que foi ao local conversar com amigos, já que durante todo o seu governo contou com a solidariedade do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, um dos mais ferrenhos representantes da extrema-direita na Europa, e que, além de seu aliado, é próximo do ex-presidente Donald Trump, que, como Bolsonaro, também tentou anular o resultado das eleições de forma ilegal e à força. Logo que as imagens foram divulgadas pelo The New York Times na segunda-feira, 25, a Polícia Federal começou uma investigação para saber se o ex-capitão entrou na representação diplomática para pedir asilo à Hungria.

Na verdade, ele temia ser preso e se escondeu na embaixada uma hora após convocar o ato na avenida Paulista para protestar contra as investigações que devem levá-lo à prisão. Afinal, ele já estava com o passaporte apreendido pelo ministro Alexandre de Moraes (STF) e não teria como deixar o País sem a ajuda de uma embaixada que aceitasse seu pedido de asilo, a não ser que fugisse clandestinamente.

O ex-mandatário dormiu duas noites no local, entre os dias 12 e 14 de fevereiro, até que teria desistido de fugir e voltou para casa com sua tralha na mão. Na embaixada, contudo, foi bem tratado e até recebeu roupa de cama limpa e pôde pedir pizzas por telefone, que foram deixadas na portaria por um motoqueiro. Mas, afinal, ele cometeu algum crime?

“Estive na embaixada a convite. Qual é o problema? Qual é o crime?
Jair Bolsonaro, ex-presidente da República

Essa pergunta foi feita ao ex-presidente pelos policiais, atendendo a uma determinação de Moraes diante da descoberta do jornal americano, que causou grande impacto durante a semana. A edição online do The New York Times publicou vídeos do circuito interno da embaixada mostrando todos os movimentos do ex-presidente pelo local, desde a chegada de seu carro, até a saída.

Um fato inusitado aconteceu quando Bolsonaro chegou ao local.
Como ele não combinou nada com o embaixador, seu motorista particular bateu palmas na porta da representação diplomática e aguardou um bom tempo para ser recebido.
Ele chegou acompanhado por dois assessores, que faziam as vezes de seguranças.
O jornalista Jack Nicas, coordenador do escritório da publicação no Brasil, contou no vídeo como foi a rotina do ex-presidente na residência. Até a visita de seu filho Carlos ele recebeu no local.

Bolsonaro e Viktor Orbán (dir.) são amigos por afinidade política e ideológica, tanto que o húngaro esteve na cerimônia de posse em 2019 (Crédito:Attila Kisbenedek)

Prisão preventiva

Em nenhum momento a reportagem do jornal nova-iorquino crava que a intenção era a de eventual pedido de asilo político, mas não economizou no tom irônico ao especular sobre os motivos do capitão ter passado o Carnaval em companhia do embaixador Halmai, sem sua família, especialmente sua mulher Michelle.

Moraes, no entanto, lhe deu 48h para esclarecer as razões que o levaram à embaixada, já que a tentativa de fuga era a mais plausível. “Estive em visita a amigos. Isso é crime?”, repetiu o ex- presidente na tentativa de justificar o fato inusitado de se refugiar na embaixada.

Fontes do STF e da PF aos quais ISTOÉ teve acesso entendem que esse gesto pode não representar um ato ilegal, mas agrava a situação jurídica do ex- presidente. É sabido que se ele tentar fugir, obstruir as investigações ou se comunicar com outros suspeitos pelos crimes dos quais é acusado, Moraes pode decretar sua prisão preventiva.

O ministro pediu para a Procuradoria Geral da República analisar a explicação do ex-presidente em no máximo cinco dias, para, então, dar seu parecer.

Com tratamento privilegiado, Bolsonaro foi recebido pelo diplomata Miklós Halmai (à esq.): liberdade dentro da embaixada húngara (Crédito:Divulgação )

Assim que a notícia da “hospedagem” na embaixada foi divulgada, multiplicaram-se as especulações de que Bolsonaro realmente preparava uma fuga e que pediria asilo ao governo húngaro, que é liderado pelo amigo Orbán há mais de dez anos e que já chamou o ex-presidente brasileiro de “herói”.

• Seria uma escolha óbvia na eventualidade de tentar driblar eventual decretação de prisão, já que embaixadas têm a prerrogativa da inviolabilidade de integridade territorial.

• Até o momento não se sabe se houve o efetivo pedido de asilo, pois a embaixada e o governo húngaro não se manifestaram.

• O embaixador Miklós Halmai fez um rápido comentário dizendo que a “visita de Bolsonaro foi um fato normal”.

• A defesa do ex-presidente disse que sua amizade com Orbán é sólida e que os dois se encontraram no final de 2023 na posse do presidente argentino, Javier Milei.

Foi a partir desse encontro que o brasileiro teria sido “convidado” para conversar e fazer análises sobre as conjunturas políticas entre os dois países. Muita gente associou o gesto de Bolsonaro ao do ativista australiano Julian Assange, que ficou anos refugiado na embaixada do Equador em Londres. Condenado por assédio sexual na Suécia, tornou-se conhecido por ter vazado milhões de documentos secretos dos Estados Unidos, Inglaterra e de outros países ocidentais.

Uma das versões do ex-presidente diz que ele recebeu um convite para se hospedar na embaixada do próprio embaixador, Miklós Halmai (Crédito:Divulgação )

“Fugitivo confesso”

Entre o deboche e o constrangimento, a repercussão do fato movimentou o mundo político. Parlamentares bolsonaristas reagiram imediatamente, como alguns integrantes do Grupo Parlamentar Brasil-Hungria da Câmara, que criticaram a convocação do embaixador para dar explicações ao Itamaraty.

Em nota, o presidente do grupo, o deputado Alfredo Gaspar (União Brasil-AL), disse que a postura do Ministério das Relações Exteriores infringiu “os princípios de respeito à soberania e à autonomia diplomática”.

De parte dos governistas, sobraram indignação e protestos, com alguns mais exacerbados pedindo a prisão imediata de Bolsoonaro para “evitar uma fuga”. “Que o Bolsonaro é um fugitivo confesso é zero surpresa. Mais uma vez ele mostrou os seus planos de fugir. Ele fez isso no final do ano retrasado, depois das eleições, fugindo para os Estados Unidos”, disse Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais.

No âmbito jurídico predominou a precaução na análise sobre as condições para a decretação de uma prisão preventiva.

Para o jurista Pierpaolo Bottini, são necessárias mais informações para que fique caracterizada a tentativa de burlar a lei. “A PF está apurando as circunstâncias da visita e se houve pedido de asilo. Se ficar comprovado que houve, a prisão preventiva pode ser justificada.”

O advogado criminalista Augusto de Arruda Botelho, ex-secretário nacional de Justiça, considera haver elementos para a prisão preventiva. “Bolsonaro descumpriu medidas cautelares determinadas pelo STF, então cabe a prisão preventiva. Uma medida cautelar alternativa poderia ser a prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica.”

Enquanto desfrutava da hospitalidade húngara, divertia-se ao celular fazendo postagens nas redes sociais. Além de dizer que estava em Angra dos Reis, o ex-presidente conclamava apoiadores para o ato do dia 25 de fevereiro na avenida Paulista, em São Paulo.

No dia em que Alexandre de Moraes reteve seu passaporte, Orbán foi às suas redes para exortar o brasileiro a “continuar a luta”. No entanto, o próprio líder húngaro passa por maus bocados em seu país. Depois de aparelhar o judiciário, controlar o legislativo e ameaçar a imprensa, Orbán enfrenta uma onda de protestos por causa de um escândalo envolvendo aliados próximos.

Gravações de conversas entre eles vazadas sugerem uma ação do governo para interferir ainda mais nas Cortes de Justiça, causando indignação até mesmo entre simpatizantes. Ou seja, o ex-presidente brasileiro, que vem sendo investigado por tentativa de golpe de Estado no dia 8 de janeiro de 2023, recorre ao aliado errado e na hora errada. Está cada vez mais perto da prisão.

CRONOLOGIA DA ‘FUGA’

8 de fevereiro
PF apreende o passaporte de Bolsonaro por determinação do ministro do STF Alexandre de Moraes

10 de fevereiro
Bolsonaro faz roda de oração com apoiadores em Angra dos Reis (RJ), onde tem casa de veraneio.

11 de fevereiro
Ainda em Angra ele conversou com apoiadores nos arredores de sua casa

12 de fevereiro
Pela manhã, posta vídeos convocando para o ato na avenida Paulista, em 25 de fevereiro. À tarde, já em Brasília, vai para a embaixada da Hungria, onde dorme por duas noites

13 de fevereiro
Faz mais postagens nas redes sociais, com fotos da família e outras que sugerem momentos de lazer

14 de fevereiro
Deixa a embaixada da Hungria à tarde, sem ter concluído a tentativa de pedido de asilo aos húngaros

Mesmo enfurnado na embaixada da Hungria, o ex-presidente fez postagens dando a entender que estava em outros locais (Crédito:Divulgação )
Em Angra dos Reis, Bolsoonaro tentou manter o clima de férias e conversou bastante com apoiadores, participando de roda de orações (Crédito:Divulgação )