Ao determinar que o Exército não puna o general Eduardo Pazuello, seu mais fiel seguidor, Jair Bolsonaro deixa as Forças Armadas de cócoras, sem autonomia para decidir o que deve ser feito para a manutenção da disciplina nos quartéis. A partir de agora, o presidente está deixando claro que é ele quem manda e os militares obedecem. Posição, aliás, que já havia sido externada pelo ex-ministro da Saúde naquela fatídica visita do mandatário ao hospital em que ele estava internado por Covid em Brasília: “Um manda e o outro obedece”. Daquela vez, Bolsonaro impôs que o general da ativa acatasse sua decisão de não comprar as 46 milhões de doses da Coronavac, produzidas pelo Instituto Butantan, chamadas por ele de “as vacinas chinesas do Doria”, em mais uma de suas posturas nocivas para o combate à pandemia. Em razão disso, milhares de mortes aconteceram pela demora do imunizante ser viabilizado e chegar à população. Desta vez, porém, a decisão de Bolsonaro imobiliza e desmoraliza a instituição, como dizem militares de destaque, como o general da reserva Paulo Chagas. Talvez este seja o golpe totalitário mais completo e acabado desferido pelo ex-capitão até aqui, colocando em risco a democracia, já que ele venceu monocrática e autoritariamente a decisão do Alto Comando do Exército, que clamava por uma punição exemplar a Pazuello.

A impunidade ao general, porém, faz escola. Bolsonaro tratorou os militares, como vem tratorando o Congresso e como vem estruturando um governo paralelo à margem dos organismos oficiais. Logo que constatou a presença do general no palanque do evento político de Bolsonaro no Rio de Janeiro, no último dia 23, o comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira e generais de destaque da Força, se manifestaram pela importância de uma punição exemplar, já que o regimento interno da respeitadíssima instituição não permite que militares da ativa participem de eventos políticos. A punição prevista estatutariamente ia da advertência verbal a 30 dias de prisão. Muitos generais, acertadamente, pediam a detenção em um quartel do Exército. Afinal, se isso não acontecesse, a disciplina estaria ameaçada. Outros militares se sentiriam estimulados a desobedecer as rígidas normas cultuadas há vários séculos pela organização.

O Alto Comando chegou a se reunir para estudar como o general seria punido e abriu uma sindicância com esse propósito. Foi aí que Bolsonaro entrou de sola no processo e desautorizou qualquer medida punitiva contra seu protegido. Até porque, o general lhe dedica obediência quase canina. O defende com unhas, dentes e mentiras na CPI da Covid no Senado. Bolsonaro, então, deixou claro que não aceitaria nenhuma admoestação a Pazuello e fez chegar aos generais que era o “comandante-em-chefe” das Forças Armadas. E de fato o é. A Constituição prevê essa insignia. Mas estabelece esse poder quando se trata da tomada de medidas juridicamente corretas e tecnicamente acertadas. Não para compactuar com medidas equivocadas. Neste caso, o ex-capitão passou por cima do regimento do Exército, ignorou os códigos de disciplina da instituição, enfraquecendo-a e até desmoralizando-a. Antes disso, o mandatário já havia demonstrado aos militares que ele poderia mandar para casa os que o desafiassem. Basta lembrar de sua recente decisão de substituir o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e concomitantemente todos os três comandantes militares (Exército, Marinha e Aeronáutica), medida tomada numa pancada só. Foi só um aviso? Será que Bolsonaro estaria intimidando os atuais comandantes, com ameaças de novas demissões? O general Paulo Sérgio já mostrou, no passado, que não se verga. A expectativa é que se mantenha ereto.

Como Pazuello não foi punido, o que muita gente no Exército espera agora é que ele peça para sair e passe, de uma vez por todas, para a reserva. Somente assim ele evitará um desgaste maior à instituição. Afinal, sem emprego ele não ficará. Nesta semana, foi nomeado para um cargo de confiança diretamente junto ao presidente no Planalto. Possivelmente para manter suas prerrogativas de foro especial e não seja preso ao final da CPI. Será secretário de Assuntos Estratégicos, com salário de R$ 16 mil, fora os soldos de general intendente, adicionais por tempo de serviço e outros penduricalhos que lhe darão rendimentos de quase R$ 50 mil. Bem, de logística na Saúde ele já demonstrou que de nada entende. Resta saber agora como se sairá planejando as estratégias do governo. Por sorte, ele poderá vir a ser encarregado pelo mandatário na definição das estratégias para a reeleição: a população está exausta e não suporta mais quatro anos de incompetência.

O mais grave disso tudo é que Bolsonaro pode, a partir de agora, se sentir tentado a empurrar os quarteis na direção de aventuras mais perigosas, como as ocorridas num passado recente. Afinal, o mandatário, seus filhos e seus seguidores nunca esconderam que desejam um golpe militar, com o consequente fechamento do Congresso e do STF, mas desde que o ex-capitão permaneça no comando. Um delírio de uma noite de verão ou enredo de um filme de pastelão. Até aqui, os militares mais conscientes, patriotas e democratas não permitiram que esse grupo de extrema-direita no Poder subjugasse o Exército, de onde foi expurgado por insubordinação e por ameaçar explodir bombas em seus projetos alucinantes e mal-ajambrados. O que a sociedade espera é que os comandantes do Exército, e das Forças Amadas como um todo, não cedam às pressões de um presidente com pendores antidemocráticos e sedento para nos levar a retrocessos como os registrados nos dolorosos anos de chumbo. Foram os piores dias de nossas vidas. Que o Exército não se curve e resgate seus princípios constitucionais na defesa da Nação e não de governos.