31/03/2022 - 14:07
Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) – Ao dar posse a novos ministros do dia do aniversário do golpe de 1964, o presidente Jair Bolsonaro usou a cerimônia do Palácio do Planalto para elogiar a ditadura militar.
“Quem esteve no governo naquela época fez a sua parte. O que seria do Brasil sem as obras do governo militar? Não seria nada, seria uma republiqueta”, citando os generais ditadores Humberto Castello Branco, Artur da Costa e Silva, Emílio Médici e Ernesto Geisel.
Na versão deturpada da história contada por Bolsonaro, não ocorreu um golpe em 31 de março, e Castello Branco foi eleito, em uma “eleição direta pela Câmara dos Deputados” no dia 15 de abril, depois do mesmo Congresso declarar a vacância do cargo de presidente quando o então chefe do Executivo, João Goulart, estava no país.
A versão de Bolsonaro é contradita pela história e pelas imagens da época, em que tanques ocuparam as ruas do país no dia 31, e pela cassação de deputados de oposição antes da eleição indireta de Castello Branco, candidato único, com um plenário formado quase que inteiramente por parlamentares favoráveis ao golpe.
“Todos aqui tinham direito de ir e vir, sair do Brasil, ir trabalhar, constituir família, estudar”, disse, sem referência às centenas de opositores mortos, presos, torturados e exilados durante a ditadura militar que durou de 1964 a 1985.
“O trabalho naqueles anos foi difícil também, uma luta da verdade contra a mentira, da história contra a “estória”, do bem contra o mal. E o Brasil resistiu”, disse.
Bolsonaro tem usado a figura do “bem contra o mal” de forma constante para se referir a eleição presidencial deste ano, colocando-se como o candidato “do bem”, contra a esquerda, que representaria o mal.
Essa não foi a única comparação que o presidente fez, em seu discurso, com a ditadura militar. Para Bolsonaro, na ditadura militar não havia uma “negociação política exacerbada”, como em seu governo –desconsiderando que vários cargos importantes foram entregues ao centrão
“A composição dos ministérios era muito parecida com o meu. Não tinha uma negociação política exacerbada. Ia-se no limite”, disse.
Mais cedo, o ministro da Defesa, Walter Braga Netto –futuro candidato a vice na chapa de reeleição de Bolsonaro– já havia causado indignação ao dizer, na ordem do dia dos quartéis, que o golpe militar e 1964 foi um “marco histórico” e que os 21 anos de ditadura no país conduziram ao “fortalecimento da democracia”.
A ordem do dia, lida diariamente nos quartéis para informar a tropa, é usada no dia 31 de março todos os anos para celebrar o golpe de 64, mas se transformou em um ato de defesa explícita do período militar durante o governo do presidente Jair Bolsonaro.
Na versão de Braga Netto, famílias, militares, empresários, políticos, a imprensa e a sociedade em geral se uniram para “para restabelecer a ordem e para impedir que um regime totalitário fosse implantado no Brasil”.
“Nos anos seguintes ao dia 31 de março de 1964, a sociedade brasileira conduziu um período de estabilização, de segurança, de crescimento econômico e de amadurecimento político, que resultou no restabelecimento da paz no país, no fortalecimento da democracia, na ascensão do Brasil no concerto das nações e na aprovação da anistia ampla, geral e irrestrita pelo Congresso Nacional”, escreveu Braga Netto.
A derrubada do presidente João Goulart, que realmente contou com apoio de setores da sociedade, levou a uma ditadura de 21 anos, que teve presos políticos, torturados, mortos, desaparecidos, fechamento do Congresso e censura à imprensa, entre outras quebras dos direitos humanos. O crescimento econômico, que se registrou durante parte do período, desapareceu na década de 1980, e 1984, último ano completo dos militares no poder, terminou com uma hiperinflação.