Quando o presidente Jair Bolsonaro gravou um áudio direcionado aos grupos de Whatsapp de caminhoneiros pedindo o fim da paralisação nas rodovias, houve confusão. Alguns manifestantes diziam que a mensagem era falsa e pensaram até que fosse obra do comediante Marcelo Adnet. Não era. Precisou o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, confirmar a autenticidade do recado do mandatário.

Mas para não perder a piada, o próprio Adnet publicou sua versão do áudio, imitando a voz do presidente, pedindo que os caminhoneiros saíssem de seus veículos e começassem a dançar a Macarena. Marcelo Adnet sempre fez sucesso com imitações e suas versões tanto de Lula como de Bolsonaro são impagáveis. Ridicularizar o estapafúrdio parece ser uma das melhores maneiras de lidar com as informações falsas cada vez mais inacreditáveis.

O uso de ivermectina, por exemplo, que virou febre por aqui e também nos Estados Unidos, levou diversos apresentadores norte-americanos a debocharem descaradamente de quem pregava o vermífugo destinado aos cavalos. Uma das esquetes do programa “The Late Show with Stephen Colbert” mostrava um cavalo dentro do corpo humano dando coices em partículas do vírus.

O grupo “Porta dos Fundos” já havia feito algo similar, explorando os efeitos da hidroxicloroquina. No formato de uma senhora fora de si e que não consegue parar de rir, a dona hidroxicloroquina – também dentro do corpo humano – conta que fez um estrago no fígado de quem tomou o remédio que comprovadamente não previne a Covid.

Em uma realidade em que há pessoas de carne e osso que acreditam que a Terra é plana e que o ex-presidente dos Estados Unidos é um herói que combate a pedofilia no alto escalão de Hollywood, pode até parecer difícil fazer uma piada, já que os temas ridículos vêm prontos para a gargalhada.

No entanto, rir de quem se leva tão a sério parece surtir efeito – há quem agora demonstre certa vergonha em admitir em alto e bom som que as vacinas contra a Covid-19 contenham um chip elaborado por Bill Gates ou até conexão com a tecnologia 5G. Quem cria esse tipo de Fake News, aliás, deve até cair na risada: “Quem será que vai cair nessa besteira?”

Há ainda o humor educativo, mas nem por isso menos engraçado. O podcast “Medo e Delírio em Brasília” – homenagem ao livro do jornalista Hunter S. Thompson “Medo e Delírio em Las Vegas” – aborda os absurdos que acontecem na capital federal através da leitura dos principais jornais e revistas do País.

Quando uma manchete muito esdrúxula aparece, surgem inserções de áudio parodiando a situação. Frases de Bolsonaro tiradas do contexto são as mais divertidas, como por exemplo, o dia em que o presidente afirmou que crianças fumavam “paralelepípedos de crack”, sofrendo para pronunciar a longa palavra corretamente.

Para educar a garotada, o podcast também investe em músicas com refrões fáceis. O “Funk do Ulysses” usa um importante discurso de Ulysses Guimarães para falar dos horrores da ditadura. O refrão “ódio e nojo” é uma das falas mais impactantes do então presidente da Assembleia Constituinte.

E quem poderia esquecer do sucesso que o humorista conhecido como “Esse Menino” fez ao simular que era a “Pfizer” mandado os mais de 50 emails não respondidos pelo governo? Como uma namorada não correspondida, a “Pfizer” começa a beber e a se humilhar na frente do computador para obter uma resposta.

E mesmo quando o público alvo não se envolve com política, acaba ficando por dentro das conversas entre os senadores Omar Aziz (PSD-AM) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP) que circulam livremente pela internet. Com popularidades em alta por reproduzirem esses conteúdos e se engajarem com o público online – os políticos da CPI ganharam a simpatia dos millennials.

Até o governador de São Paulo, João Dória, passou a rir das suas comentadas “calças apertadas” – tirando a piada de si e colocando-a naqueles que não sabem separar a pura agressão do humor quase infantil. Por outro lado, não é nada engraçado rir de pacientes com falta de ar. Do fato de não ser coveiro. Também não é engraçado imitar pessoas com deficiência – como fez Trump em um de seus comícios. E as piadas de cunho sexual então – principalmente as do macho alfa “imbrochável” – deixaram de ser engraçadas lá na década de 1990.

Que a juventude repleta de criatividade, de dancinhas e memes consiga mostrar o grande abismo em que estamos quando o assunto é o governo federal. A partir de 2022, adolescentes com 16 anos, nascidos a partir de 2005, já poderão ir às urnas eletrônicas – que são confiáveis e auditáveis – tal como o TikTok oficial do STF demonstrou através de uma animação em que as urnas conversavam entre si. Ou seja, pode confiar que o assunto é sério.