Em 7 de outubro de 2018, data do primeiro turno das eleições, policiais federais que, à época, trabalhavam na equipe de segurança de Jair Bolsonaro, chamaram atenção ao saírem para votar com camisas alusivas à candidatura do capitão do Exército — a estampa mostrava o 17, número do então presidenciável, formado com a ajuda de um fuzil. A empolgação ilustrava bem o apoio da categoria policial, como um todo, a ele. Passados quase quatro anos, o chefe do Planalto, por culpa própria, pode não chegar com o mesmo prestígio às urnas.

Bolsonaro virou refém de uma crise fabricada diretamente de dentro do Palácio do Planalto — afinal, foi ele quem falou em “corrigir injustiças” e anunciou o plano de implementar a reestruturação de carreiras da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e do Departamento Penitenciário Nacional, que estabeleceria, além de reajustes de até 20%, critérios para progressão na carreira. Ao entoar publicamente a promessa, o presidente, extasiado com os possíveis louros políticos da medida, não pensou no efeito cascata de cobrança de outras categorias e a consequente judicialização do caso nem nos custos aos cofres públicos.

Deu no que deu. Chamado à realidade pela equipe de Paulo Guedes, Bolsonaro confirmou na semana passada a previsão de um reajuste de 5% a todo o funcionalismo, baseado no princípio da isonomia, e desagradou gregos e troianos. Na prática, enquanto, em 2018, pôde entoar a plenos pulmões ser “o candidato da segurança pública”, em 2022, enfrentará, durante a campanha, denúncias de “desvalorização” dos servidores que integram o setor.

O plano dos policiais está traçado. Membros da PRF já haviam chancelado, no mês passado, mobilizações que incluirão uma grande marcha unificada em Brasília. Delegados da PF aprovaram, entre segunda e terça-feira, a realização de paralisações parciais e progressivas. Em nota, pediram ainda que o ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, renuncie ao cargo — não por crerem que ele, um delegado de carreira, seja incompetente, mas por serem testemunhas oculares de que houve empenho e que mesmo Anderson foi desprestigiado. Significa dizer que, a carreira que Bolsonaro tanto prometeu enaltecer e valorizar, colocou no colo do presidente — e exclusivamente do presidente — a culpa pelo fracasso das promessas.

Os policiais esperavam qualquer aceno de Bolsonaro. Se não, necessariamente, a reestruturação de carreira, o atendimento de algum dos pedidos de uma extensa lista, que inclui a criação de um plano de saúde para a categoria, a concessão de assistência psicológica ou até mesmo o aumento do valor da diária paga aos profissionais que viajam em missões. Aos que vem a Brasília, de onde escrevo, por exemplo, o valor é de 210 reais para hospedagem, alimentação e transporte — desnecessário dizer que não é suficiente. O presidente, porém, deu de ombros.

O descompasso, por óbvio, não significa que os policiais pularão para o lado de Lula, dado o perfil ideológico da maioria. Mas impede que Bolsonaro fature tudo o que poderia em um momento caro à campanha, no qual tenta demonstrar tração eleitoral e dar destaque ao crescimento nas pesquisas. Após a infeliz fala do petista, que declarou que o presidente “não gosta de gente, gosta de policial”, seria o momento perfeito para se vangloriar do apoio da categoria. Bolsonaro, no entanto, conseguiu a façanha de melar a oportunidade.