Um plano arquitetado, anunciado e previsível de tirania está em andamento. O mandatário no cargo e concorrendo à reeleição planeja de fato controlar tudo. Subjugar instituições, impedir que qualquer um nos três poderes faça sombra ao modelo de governo radical e totalitário que sonha comandar, sem pesos e contrapesos, questionamentos ou ressalvas. Não se trata de mera especulação. Ele disse isso de viva voz. Quer, logo no início, mexer na composição da Suprema Corte, ampliando o número de membros, para poder indicar mais simpatizantes a favor de suas causas.

De outra parte, já avisou, pode vir a pedir o impeachment de magistrados desafetos. Três ao menos estão no radar (Alexandre de Moraes, Barroso e Fux), para contrabalancear o STF a seu favor com o mesmo intuito de arbitrar os desígnios dos julgamentos ali realizados. É roteiro já escrito e conhecido dos demais déspotas que, de saída, incluem ações populistas na gestão de estreia para, a seguir, em um segundo mandato, atuarem como soberanos. Bolsonaro nem disfarça compartilhar desse objetivo. A tal ponto que o faz semanas antes de uma nova rodada de votos nas urnas. O presidente coloca para os brasileiros uma escolha simples e transparente: dar ou não a ele mais quatro anos para delinquir no melhor padrão de ditador. Está em jogo no dia 30 de outubro próximo justamente isso: a escolha entre democracia e barbárie.

Entre liberdades individuais e o livre arbítrio. Já vimos e vivenciamos esse filme nos anos de chumbo das torturas militares, com o País tomado pelo regime de exceção. Nada há de enaltecedor a lembrar daquela época. Embora inconstitucional, por ferir uma cláusula pétrea da República que é a do equilíbrio dos poderes, o capitão não enxerga limites. Já possui a maioria do Congresso nas mãos e ali pode fazer passar as tais PECs capazes de mudar leis, artigos e capítulos inteiros da Carta Magna – como o fez seguidamente, nos últimos quatro anos, em uma quantidade recorde de ajustes.

O Brasil está prestes a abrir as comportas para o inominável, o perigo da fragmentação legal a favor de um pretenso caudilho. Surfaram nessa onda, em outros tempos e mesmas condições, personagens como Hugo Chávez, na Venezuela, Viktor Orbán, na Hungria, Vladimir Putin, na Rússia, Daniel Ortega, na Nicarágua, Ferdinand Marcos, nas Filipinas e tantos a perder de vista que amarrotaram de incontáveis maneiras o conceito de respeito ao próximo. A retórica ameaçadora de Bolsonaro serve agora para escancarar a indisfarçável natureza cesarista que carrega.

O flerte contínuo com valores fascistas revela a sua resistência à democracia. Enuncia, também, a caça implacável a supostos opositores e vai na contramão de qualquer princípio republicano. Efetivamente, ele planeja autoconceder-se o papel de imperador plenipotenciário, com mando sem parâmetros. Em conseguindo, o resultado para o País como um todo será desastroso. Ao tentar replicar expedientes do passado longínquo – Getúlio Vargas buscou o mesmo – não há dúvida de que Bolsonaro colocará nos postos-chaves do Judiciário magistrados que servilmente lhe prestariam vassalagem, como meros capachos capazes de esconder suas sujeiras.

Um desatino! A sociedade civil não pode compactuar com tamanho ardil. Os profanadores dos fundamentos democráticos, transgressores por convicção, devem ser implacavelmente banidos do cenário nacional. Não é possível tolerar abusos institucionais. Nem mesmo insinuações nesse sentido. A retórica de tribunais movidos a ativismo político serve apenas para mascarar a inquietação do presidente com o monitoramento de seus evidentes desvios. Crimes de responsabilidade são praticados aos montes.

O próprio Bolsonaro admite a chance de ser preso pela quantidade de irregularidades que já cometeu. E seguiu “protegido”, tal e qual seus familiares e apaniguados, por ter manietado o alcance dos trabalhos da Polícia Federal e das procuradorias. Sem tirar nem pôr, o mesmo que fez com autarquias e órgãos estratégicos como o Coaf, Ibama, Inpe, Incra, a Receita Federal, Funai e tantos outros. Bolsonaro é indomesticável no seu afã czarista. Fala em golpe de Estado com a mesma facilidade do sujeito que vai comprar pão na padaria da esquina. É difícil imaginar alguém mais nitidamente golpista que ele nos dias de hoje nas cercanias das decisões de Brasília. Adulando o chefe, assessores como o vice-presidente Hamilton Mourão e o líder na Câmara, Ricardo Barros, dão guarida a seus devaneios. Falam em “reação severa” ao que entendem como abusos do Judiciário. Parecem não compreender a diferença entre uma tirania e uma democracia. O chefe deles sabe bem o que quer e tenta fazer por onde.