Depois de desprezar o jogo legislativo por dois anos, Jair Bolsonaro sonha em controlar o Congresso com a nova direção a ser eleita em 1º de fevereiro. Para afastar de vez o risco do impeachment, aposta em Arthur Lira (PP), líder do Centrão. Seria uma consolidação do casamento de conveniências com esse grupo fisiológico, selado quando o mandatário tentou atropelar o STF e o Legislativo no primeiro semestre. Para garantir o acordo, tem oferecido cargos, ministérios e emendas. Mas o histórico dos governos pós-redemocratização mostra que são mínimas as chances de o arranjo ser bem-sucedido.

Se Lira chegar à presidência da Câmara, o País deve assistir a uma reedição dos governos Fernando Collor e Dilma. No início dos anos 1990, Collor se desconectou completamente da classe política e afundou cercado por uma tropa de choque quixotesca. Dez anos depois, Lula tentou comprar criminosamente o Parlamento e quase perdeu o cargo por isso. Dilma ensaiou manter os acordos espúrios do antecessor, e se desentendeu com o então líder do Centrão, Eduardo Cunha, que se tornou seu algoz. O divórcio afundou os dois e pulverizou a hegemonia petista. Agora, se o presidente conseguir emplacar seu apadrinhado, não eliminará seu isolamento. Vai aumentá-lo, tornando-se refém de um grupo cuja fidelidade dependerá apenas das chances de o mandatário se reeleger.

Se Bolsonaro emplacar Arthur Lira na presidência da Câmara, não eliminará seu isolamento. Vai aumentá-lo, tornando-se refém do grupo fisiológico

O atual show de traições nas articulações para o comando do Congresso também desabona forças que se vendem como antigoverno, mas contam com o bolsonarismo para voltar ao poder — é o caso do PT. Contra isso,a melhor saída é a união do centro e da esquerda, atualmente em curso, para fazer avançar reformas urgentes que destravem a economia e contenham propostas regressivas e perigosas para a própria democracia, como a volta do voto impresso. O principal programa do Centrão é abocanhar mais verbas e enterrar a Lava Jato. Não há conexão com a agenda “liberal” de Paulo Guedes, que continuará pregando no deserto e fazendo previsões delirantes de reinvenção do Estado. Já Bolsonaro vai se escorar em pautas de costumes e armamentistas voltadas apenas à sua militância, cada vez menor. Se a oposição representada pelo grupo de Rodrigo Maia não conseguir se impor, não haverá um Parlamento bolsonarista, mas predatório. Ou seja, a economia continuará travada e a articulação governista continuará disfuncional até o final do mandato, se este chegar até 2022.