Em setembro de 2020, Jair Bolsonaro foi a Mato Grosso e disse, a respeito dos produtores rurais: “Vocês não entraram naquela conversinha mole de ‘fique em casa e a economia a gente vê depois’. Isso é para os fracos”.

Naquele momento, o Brasil tinha 143.886 mortos pela Covid.

Na manhã de hoje, Jair Bolsonaro foi a Minas Gerais e disse, a respeito dos produtores rurais: “Vocês não ficaram em casa, não se acovardaram. Temos que enfrentar nossos problemas. Chega de frescura, de mimimi, vamos ficar chorando até quando?”.

Passaram-se cinco meses. O país vai superando a barreira de 260.000 mortos. As taxas de óbito aceleram: dia após dias há um novo recorde no número de pessoas que não resistem à doença.

Mas nada mudou no discurso de Bolsonaro.

Quantas mortes seriam necessárias para que o presidente mudasse de opinião? Um milhão? Dois milhões? Dez? Suspeito que a resposta seja: o número que resultar em uma perda significativa de popularidade, capaz de pôr em risco sua reeleição. Fora isso, o presidente é imune à realidade. Nada o toca e nada o muda.

Quando o assunto são os mortos da pandemia, Bolsonaro aprendeu a dizer uma frase: “Nós lamentamos”.

Ele diz isso com a emoção de um autômato, enquanto a expressão de seu rosto não traduz pesar, mas raiva, por ser obrigado a tocar nesse assunto desagradável. É ruim de ver. Faz pensar nos Salafrários de Jean-Paul Sartre, que comentei no post de ontem.

Mas deixemos para lá os sentimentos de Bolsonaro. Eles realmente não interessam. Um presidente desprovido de empatia e compaixão talvez fosse tolerável, se ao menos fosse competente. Sabemos que não é esse o caso. Bolsonaro e sua equipe são de uma incompetência atroz.

Eduardo Pazuello disse ontem que os brasileiros não deveriam enxergar no governo “uma máquina de fabricar soluções”.  Muito bem. Mas precisavam ser uma máquina de fabricar erros?

Todo mundo já conhece de cor o inventário de barbaridades cometidas por Bolsonaro e seus minions durante a pandemia. Não vou desfiar mais uma vez esse rosário. Fiquemos naquele que talvez seja o mais grave de todos: recusar vacinas no ano passado, quando diversos laboratórios ofereciam ao governo a oportunidade de reservar doses.

Hoje, no mesmo evento de Minas Gerais, Bolsonaro tocou nesse ponto. Sobre aqueles que cobravam dele a compra de mais vacinas, ele disse: “Vai comprar vacina? Só se for na casa da tua mãe”. Isso porque não há imunizantes no mercado.

Mas em agosto do ano passado, quando a Pfizer ofereceu o seu produto ao Brasil, havia. Havia a possibilidade de comprar também de outros fabricantes. Bolsonaro não quis. E ainda achou que era esperto, por economizar dinheiro, ou recusar cláusulas padrão, ou qualquer outro desses raciocínios de mascate de quinta categoria. Assim, o Brasil não tem vacinas. Os mortos que se danem.

Bolsonaro não é só incapaz de reconhecer seus erros. Não é só incapaz de mudar. Ele tem aquela covardia muito peculiar, que consiste em agredir aos berros aquele que lhe aponta uma falha.

Não, Bolsonaro, as pessoas não estão encolhidas num canto, com “frescura” e “mimimi”. Elas continuam batalhando pela vida, todos os dias, inclusive aquelas 260.000 famílias que perderam pais ou esposos ou filhos.

É você que está encolhido, tentando esconder, com agressões e gritaria abominável, seu medo diante de um desafio que está muito, muito acima de sua capacidade de resposta como governante. Covarde.