Aguerrido em plenário e articulador de alguns dos principais reveses do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (REDE-AP) trabalha para tirar do papel a CPI do MEC, voltada à apuração de denúncias sobre o balcão de negócios instalado no Ministério da Educação. Para o parlamentar, a comissão, cuja instalação a base governista tenta adiar para depois das eleições, identificará a prática de crimes cometidos por Bolsonaro. O senador argumenta que já existem indícios robustos de que o presidente cometeu obstrução de Justiça ao alertar Milton Ribeiro que ele seria alvo de mandados de busca e apreensão, segundo relatou o próprio ex-ministro em uma ligação grampeada pela Polícia Federal. “Ninguém cometeu tantos crimes de responsabilidade em série quanto Bolsonaro”, disse Randolfe à ISTOÉ. O congressista acrescenta que a CPI é vital para proteger de eventuais interferências do Palácio do Planalto os desfechos da Operação Acesso Pago, que culminou na prisão de Milton e de pastores-lobistas, e pontua que o adiamento da apuração pelo Senado deixará sem escrutínio o desvio de bilhões de reais em esquemas irregulares perpetrados no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Para evitar a manobra da tropa de choque bolsonarista, o senador planeja acionar o STF.

O FNDE está no centro de dezenas de denúncias de irregularidades. O governo tem sido conivente com a corrupção no Ministério da Educação?
No MEC, temos um dos cenários mais claros da tragédia bolsonarista. Todos os ministros que lá passaram eram negacionistas da Educação ou ladrões. Se o esquema dos pastores Gilmar e Arilton era meio mambembe, de extorsão, de achaque mais puro, no FNDE a estrutura toma uma forma mais elaborada de corrupção, que ocorre por meio de fraudes a processos licitatórios e superfaturamentos, como na contratação de milhares de kits de robótica para escolas do interior de Alagoas que nem internet têm.

O “gabinete paralelo do MEC”, formado pelos pastores-lobistas, é alvo de investigação na PF e no MPF. Por que abrir uma nova frente de apuração com a CPI?
CPI é o último estágio. Se a investigação da PF e do MPF tivesse a liberdade necessária para ter sequência, não precisaríamos de uma CPI. Só que as informações dão conta do contrário. A investigação que existe está sob intervenção. Veja: em apenas um dia, Milton Ribeiro e os pastores-lobistas foram soltos em meio a um conjunto de situações atípicas. A aeronave da PF que tinha de trazer os suspeitos para Brasília não o fez. O celular de Milton foi apreendido, mas não entregue à perícia no tempo correto. O próprio delegado denunciou uma intervenção de superiores. Como se tudo isso não bastasse, no dia seguinte, foi veiculado um áudio em que o próprio Milton diz que o presidente, se utilizando criminosamente de informações privilegiadas e numa prática de obstrução da Justiça, tinha lhe avisado da investigação. Eu defendo que uma das primeiras medidas da CPI, após instalada, seja requerer que o delegado Bruno Calandrini a assessore.

O governo agiu nos bastidores para brecar a instalação da CPI do MEC no Senado?
Lembremos que, em abril, conseguimos as 27 assinaturas. Mas o governo usou emendas do orçamento secreto para retirar parte delas. Há dois tipos de ações que o bolsonarismo utiliza. O primeiro deles é o método claro do fascismo, com a tentativa de deturpação da verdade, de lançar cortinas de fumaça. Quando a intimidação não funciona, o Planalto tenta comprar parlamentares. No mês passado, tentaram novamente, mas não conseguiram porque o escândalo tomou enormes proporções.

O senhor crê que o presidente Bolsonaro será comprometido na investigação?
Tenho que dar ao presidente o benefício da dúvida. Mas veja… Arilton e Gilmar, antes de chegarem ao MEC, frequentavam o Planalto. Há vídeos. Eles eram íntimos do presidente. Não me parece, portanto, que a atuação era chancelada apenas por Milton Ribeiro. Aliás, talvez, neste caso, Milton estivesse recebendo ordens. Talvez isso justifique a preocupação do presidente com a Operação da PF e a ação imediata para que Milton Ribeiro não ficasse detido, além do aparelhamento da corporação, que vêm ocorrendo, sobretudo, a partir do ministro da Justiça.

Governistas apontam um viés eleitoral na CPI do MEC. Isso pode prejudicar a percepção da população sobre a apuração?
Não é de bom tom, realmente, realizar uma investigação em paralelo às eleições. Mas, se inviabilizada a investigação, bilhões de reais, que deveriam ter sido destinados a professores, estudantes, transporte escolar e melhorias das condições das escolas brasileiras e acabaram desviados, podem ficar sem um escrutínio. Isso é um prejuízo para a população. Diante disso, a emergência da instalação da CPI. Obviamente, o Senado é o local ideal para uma comissão dessa natureza porque, nele, dois terços não concorrem nas eleições deste ano e, assim, estarão livres para participar. No meu caso específico, há uma circunstância: sou integrante do Conselho Político de Lula e meu partido está associado à coligação. Não acho que seria de bom tom assumir o posto de presidente ou relator da CPI, e estar na campanha. Eu terei de fazer uma escolha. Mas há tempo para isso. A certeza é que nós, da oposição, temos que dialogar com os outros partidos para ter uma direção que dê garantia e governabilidade à investigação.

A decisão de adiar a instalação da CPI do MEC para depois das eleições, pode ser uma pá de cal sobre a possibilidade de investigação?
Há uma tentativa de obstrução do direito constitucional da minoria parlamentar. Não cabe ao colégio de líderes julgar a pertinência de uma CPI em ano eleitoral. Aguardaremos até o recesso para checar se ocorrerá a indicação, por parte dos líderes, dos membros da comissão. Se não acontecer, iremos ao Supremo. O adiamento é uma leniência com a corrupção. Parlamentares têm a função constitucional de fiscalizar e de investigar quando as outras instâncias de investigação fracassam.

O governo emplacou no Senado a PEC Kamikaze, com um pacote de bondades eleitorais. A oposição fez críticas ao projeto, mas votou de forma favorável. Por que a contradição?
Quero fazer uma autocrítica. No Senado, subestimamos muito o impacto que essa proposta iria representar. Nós tínhamos o dever de pelo menos tentar ganhar tempo, porque a situação é dramática e não teríamos como, a essa altura, votar contra um auxílio para pessoas que estão passando fome. Em geral, não se discute o mérito. Mas só depois nos atentamos que poderíamos fazer uso do artigo 114 dos Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que diz que matéria que impõe alteração do regime fiscal deve ser suspensa por 20 dias até um parecer. Estamos orientando colegas da oposição na Câmara a fazerem uso disso. Se Arthur Lira não ceder, cabe aos colegas interpor um mandado de segurança para garantir o cumprimento da regra.

O Congresso está ciente da possibilidade de a PEC ser julgada inconstitucional, já que a justificativa para o estado de emergência é frágil?
Temos que atuar para impedir a votação na Câmara, porque, lamentavelmente, se houver uma votação majoritária do Senado e da Câmara, acho pouco provável que o STF, por conta dessa circunstância, a declare inconstitucional. O Supremo, em última análise, é também uma casa política.

Fica aberto um precedente para que governos subsequentes adotem a mesma estratégia?
Sim. E mais: fica escancarada uma herança muito difícil de ser administrada. Veja a bomba fiscal que está sendo produzida pelo governo Bolsonaro.

Justamente pelo cenário de aperto, Lula, se eleito, vai penar para governar?
Lula tem consciência disso. Ele diz saber que receberá o Brasil em situação muito pior do que a de 2002. Não estamos falando de alguém que é alienígena às situações de poder, mas de alguém que governou o Brasil durante oito anos e sabe como o jogo é jogado. O primeiro grande desafio do governo será equacionar a dramática situação social, em que 33 milhões de pessoas passam fome, e o rombo nas contas. Todos nós temos a compreensão de que, de todas as políticas sociais, a melhor é a inflação baixa.

Para isso, Lula precisará de maioria no Congresso. Como as alianças seriam pavimentadas?
Não basta ganhar a eleição presidencial. O instituto do orçamento secreto deformou o parlamento enquanto instituição e desigualou deputados e senadores. Hoje, a avaliação é de que os cinco partidos do entorno da candidatura de Lula — PT, PSB, PV, PCdoB, Rede e PSOL — mais PSD e Solidariedade, que estão no arco de alianças, têm condições concretas de conquistar um terço da Câmara e de eleger de 10 a 15 senadores. Para instituir a maioria, precisaremos ainda nos aproximar de outras siglas com vocação democrática.

Quais?
Colocamos no cálculo alianças atuais e futuras com o MDB. Me atreveria a dizer que devemos chamar para essa aliança PSDB e Cidadania. O PSDB e o PT disputaram o poder, mas se respeitavam. Não terminavam a eleição dizendo que não iriam reconhecer o resultado ou questionavam o sistema de contagem de votos. Essa maturidade democrática que pensávamos ser irreversível foi perdida.

O sr. deixou o PT quando em meio a casos de corrupção. Não se incomoda com a presença na campanha de Lula de antigos figurões implicados nos esquemas?
O PT viveu as virtudes e vicissitudes de seu crescimento e das circunstâncias de se tornar governo, como outros partidos. Nenhum partido político no Brasil pode se vangloriar de ser a igrejinha dogmática de todas as virtudes do mundo. Partido não é convento e olhe que, mesmo em conventos, há pecados. Tenho sentido Lula determinado a construir e renovar a política brasileira.

A campanha mantém um canal aberto com os militares para sentir o impacto das ameaças golpistas de Bolsonaro nos quartéis?
Não acredito que, com o grau de profissionalismo que têm as Forças Armadas, em um embarque dos militares em uma aventura de Bolsonaro. Isso descarta qualquer risco? Não, pois um golpe não é a única forma de romper a democracia. As instituições precisarão estar firmes.

As instituições têm ficado em silêncio.
Banalizamos o absurdo no Brasil. O primeiro deles é Bolsonaro continuar na Presidência. Ninguém cometeu tantos crimes de responsabilidade em série em toda a história brasileira quanto Bolsonaro. Ninguém esculhambou as instituições e a democracia quanto Bolsonaro. E, nesse período, tem ocorrido muita omissão por conta do caminho mais confortável. Falei para o Pacheco no ano passado: “O sr. comandará o Congresso no biênio mais importante da história republicana. Rogo a Deus que o sr. ajude o lado correto da história”. Nem conto com Arthur Lira. Boto Arthur Lira na contabilidade do golpe. Ele está precificado. Dá golpe conforme a quantidade de orçamento secreto disponível.